Queremos a Comissão Parlamentar para as Políticas do Mar
Já lá vão aquelas décadas em que parecia que nos tínhamos cansado do mar e desprezávamos a sua importância. Desde há cerca de 20 anos, o mar voltou ao discurso público nacional e recuperámos o interesse por ele. Sucedem-se iniciativas em torno da economia do mar, nos vários segmentos em que se desdobra, consolida-se a consciência do seu valor territorial e da sua importância na segurança e defesa nacional e regional, cresce uma nova percepção sobre a sua relevância ambiental. Mas, quanto a políticas públicas para o mar, em moldes integrados, coerentes e dinâmicos, continua o deserto.
Para a política e sua organização em Portugal, o mar não saiu da doca seca. É uma matéria em que continua a ser muito mais difícil navegar nos corredores da política e nos labirintos da burocracia do que propriamente nos oceanos.
A natureza deste problema é conhecida e não tem novidade: o mar não é departamentalizável, porque é essencialmente transversal. Sendo um território, uma projecção, um ambiente, um tesouro de recursos vários, um terreno de actividades múltiplas, um alimento cultural, um valor estratégico, não é possível confinar o mar a um só sector estatal. O mar tem a ver com tudo ou quase tudo: com transportes, portos e pescas certamente, mas também com educação, ciência e cultura, com tecnologia e investigação, com defesa e política externa, com segurança, fronteiras e justiça, com comércio e indústria, com energia e aquacultura, com finanças e planeamento, com desporto, turismo e lazer, com emprego e organização do trabalho, com ambiente, com o litoral, os rios e as ilhas. Em suma… tudo!
Está certo que exista um Ministério do Mar. Nem todos os governos optam por esse modelo, mas é positivo quando o fazem. Porém, é ilusão pensar que a sua existência resolve aquele problema estrutural. Não resolve. E pode até ser muito negativo se criar e alimentar essa ilusão.
O Ministério do Mar pode representar uma nova identidade e um refrescado vigor nas políticas relativas ao mar que estão confiadas aos seus órgãos e serviços; mas o seu êxito naquele outro plano, decisivo e fundamental, depende mais da capacidade do seu titular para sobrevoar todos os outros departamentos governamentais numa imaginosa e atenta articulação interministerial ao serviço de uma verdadeira política do mar. Por isso, é correcto e visionário dizer que o mar precisa muito mais de uma ministra ou de um ministro do que de um Ministério. O mar – recordemos – não é departamentalizável. O mar é essencialmente transversal.
A Comissão Parlamentar para as Políticas do Mar, como comissão permanente da Assembleia da República, cuja ideia relançámos de novo em Petição Pública, é que constitui a resposta adequada àquela necessidade de organização das políticas públicas e ao desafio que o mar representa para Portugal e os portugueses. A sua constituição representará uma importante reforma estrutural no quadro superior do Estado e um passo muito inovador na governação (a governance) do mar e das políticas do mar, porque chama o Parlamento a dar directamente essa resposta, usando os seus atributos a as suas virtualidades.
Como escrevi há anos, é o “ovo de Colombo”: será a sede de referência e representação de todos os cidadãos e entidades com interesse em temas marítimos ou com estes relacionados; será o observatório permanente de todos os ministérios sob esta óptica e neste segmento; será um motor de coerência e articulação; convocará todos os partidos parlamentares a definirem e atualizarem as suas políticas neste domínio, assim como a dotá-las de continuidade de legislatura em legislatura. A Comissão Parlamentar para as Políticas do Mar será a sede institucional de construção e afinação da política do mar e, afinal, o melhor aliado – o “braço armado” – da ministra ou do ministro do Mar, quando exista, ou o seu sucedâneo, quando não haja.
Está na hora de, na legislatura após eleições de 6 de Outubro, esta chamada ser finalmente correspondida. Para isso, devemos juntar-nos na petição que podem encontrar em https://tinyurl.com/y5nrw5qf ou, directamente no site www.peticaopublica.com, procurando por “Comissão Parlamentar para as Políticas do Mar”. Assinar é preciso. E divulgar também.
Tenhamos esperança. E trabalhemos para isso.
José Ribeiro e Castro
Ex-deputado, membro do Conselho Editorial da Revista
REVISTA DE MARINHA, Setembro/Outubro 2019
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