A obstinação do sistema político no agravamento da sua própria crise


Triste o país cuja classe dirigente se atola na defesa intransigente dos seus maus hábitos e dos seus interesses. Triste o país cujos dirigentes, na sua maioria, se cristalizam em olhar a realidade na perspectiva do seu próprio umbigo.

Vale a pena recordar os factos mais antigos: em 1997, a revisão constitucional abriu as portas a uma reforma significativa do sistema eleitoral para a Assembleia da República, permitindo que os cidadãos não escolhessem só o partido, mas passassem a eleger também o seu deputado. A crise de representação já era, então, muito sensível e a revisão constitucional pretendeu atalhá-la, através do remédio certo: dar mais poder aos eleitores, limitar o arbítrio dos directórios partidários.

Passados 22 anos, nada foi feito. Os legisladores e, sobretudo, os aparelhos partidários instalados são surdos ao que foi dito, são cegos ao que está escrito.

Vale a pena atentar nos factos que vão ocorrendo – e tornando-se cada vez mais graves. Nas últimas eleições legislativas de 6 de Outubro, a abstenção superou já a metade dos eleitores inscritos nos cadernos eleitorais. Apesar da seriedade das opções a tomar, apesar da gravidade e delicadeza da situação geral do país, apesar das várias alternativas por que escolher (concorreram 21 partidos, entre os quais alguns novos, pela primeira vez), 51,4% dos eleitores viraram as costas e não foram votar. Foram 5.559.610 os portugueses que escolheram não participar nas eleições. Em 1995, na eleição anterior à citada revisão constitucional de 1997, tinham sido 3.001.754 os abstencionistas, numa percentagem de 33,7%.

A omissão anti-reformista da classe dirigente portuguesa já custou, nos últimos anos, o agravamento deste problema em mais 2,5 milhões de portugueses de costas voltadas para a democracia. E, na verdade, não é difícil entender por que se comportam assim cada vez mais eleitores: por que iriam eles votar para escolher os seus representantes, se sabem, pela experiência vivida, que o sistema foi de tal forma usurpado que os eleitos não os representam a eles, mas aos seus chefes e a obscuros interesses?

É muito desconsolador assistir à degradação crescente do sistema partidário e da participação eleitoral e, ao mesmo tempo, à incapacidade teimosa dos dirigentes para enfrentarem e responderem aos desafios cada vez mais evidentes. Já nem é só o afastamento da cidadania, mas a crise entranhada que corrói muitos partidos, senão todos eles. O sistema não tem adesão e deslaça por todo o lado. Falta-lhe a seiva fundamental: vinculação cidadã, autenticidade popular.

Choca, por isso, como única “resposta”, ver crescer as vozes para tornar o voto obrigatório. Não é o sintoma que importa atacar, mas a doença que é urgente tratar. Não é o eleitor à força que nos resolverá o problema, mas são os dirigentes políticos que têm de fazer a reforma que tarda há 20 anos e a Constituição abriu.

O que faz falta é o levantamento da cidadania para salvar a democracia e resgatar a cidadania. Queremos quem nos represente.



José Ribeiro e Castro
Advogado, ex-líder do CDS
Presidente da APDQ - Associação Por uma Democracia de Qualidade


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6 de Dezembro de 2019

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