Como se explica a imprevidência?
A previdência é uma grande função da sociedade e uma das mais relevantes funções sociais do Estado. Como compreender, então, a imprevidência na aproximação desta crise do coronavírus?
Estamos, agora, todos mergulhados na pandemia da Covid-19. Não há continente que escape. Praticamente nenhum país está ainda livre. Todavia, como foi possível que quase todos fossem apanhados com as calças na mão, em flagrante imprevidência? Anteontem, a Reuters relatou como, no princípio de Fevereiro, “a Europa subestimava a crise do novo coronavírus”. Hoje, a epidemia já atingiu mais de meio milhão de europeus e matou quase 35 mil – só na União Europeia, mais de 400 mil infectados e 30 mil mortes. A subir, ainda não sabemos até onde.
A crise começou na China, no fim de 2019. Era o único país com casos deste novo vírus, quando o ano começou. A epidemia dispara na China por 17 de Janeiro. Todos seguimos esse horror diário e as medidas de resposta dura. Os números indicam que a China conseguiu confinar a epidemia à província de Hubei, cuja capital é Wuhan, a cidade onde surgiu o vírus – Hubei representa, hoje, 82% dos casos na China e 96% das mortes. A crise na China entrou em quebra a 15 de Fevereiro e, com novos casos abaixo de 100/dia, desde 8 de Março. Achámos os números chineses estratosféricos e que nunca nos atingiriam assim. Tivemos muito tempo para conhecer e aprender.
Pelo meio, pudemos conhecer outros casos. Japão, Coreia do Sul e Singapura tiveram os primeiros casos em meados de Janeiro (dias 14, 19 e 22), mas a epidemia disparou em 6, 19, 14 de Fevereiro. Na Coreia, acelerou até princípio de Março, quebrando a partir daí – desde fins de Março, está em menos de 100 casos/dia. Japão e Singapura seguiram uma evolução moderada e contida. O Irão disparou em 18 de Fevereiro, atingindo números muito altos, piores que os da China em termos relativos. Porém, mais tarde, tivemos países europeus a conseguirem fazer pior que o Irão, em taxa de mortalidade: Itália, Espanha e Reino Unido. E também em taxa de incidência na população: Islândia, Espanha, Suíça, Itália, Áustria, Alemanha, Noruega, Irlanda e Estónia. Por sinal, os totais da UE e da Europa, assim como Israel e EUA também fazem pior que o Irão neste indicador infectados/habitantes.
A pandemia disparou na Europa e no Ocidente no final de Fevereiro, princípio de Março: Itália, 22/Fev; Áustria e Espanha, 24/2; EUA, 25/2; Holanda e Reino Unido, 26/2; Alemanha e França, 27/2; Suíça, 28/2; Canadá e Bélgica, 1/Mar; Portugal, 2/3; Brasil, 7/3. Alguns já tinham tido algum caso anteriormente, mas foi aqui que a crise explodiu. Vamos seguindo com surpresa a Suíça e a Áustria, o horror dos números em Itália e na Espanha, a aflição em França, as contradições nos EUA, no Reino Unido e no Brasil, os números que chovem descontrolados por todo o lado, o mal e a perturbação que nos batem também aqui, forte, na nossa terra. Os dados desenham, na Europa, um padrão que suscita perplexidade: de um modo geral, os Estados-membros da União Europeia fazem pior do que os que não a integram; e, na União Europeia, os do antigo Ocidente fazem pior que os do antigo Leste. Foi tudo ao contrário do que pensaríamos.
Também pensaríamos que faríamos melhor que a China, se a coisa cá chegasse. A coisa chegou. E fazemos muito pior: só Itália e Espanha já tiveram, respectivamente, quatro e três vezes mais mortos que a China. O conjunto da UE-27, com população igual a 1/3 da chinesa, soma já quase dez vezes mais as mortes por Covid-19 na China – e na UE as mortes continuam ainda a crescer a mais de 2.500/dia, nesta altura; não sabemos onde pararão.
Como fomos tão imprevidentes? Como pode ser que, logo em Fevereiro, não antecipássemos que poderíamos estar, na Europa, no princípio de Abril, com centenas de milhar de infectados, tantos milhares de mortes, ainda tanto contágio a rolar e perigo a espreitar, tanta aflição nos hospitais, e a pandemia a alastrar e acelerar em todo o mundo? Quando as coisas acalmarem, teremos de conhecer a explicação.
José Ribeiro e Castro
Advogado, ex-líder do CDS
Presidente da APDQ - Associação Por uma Democracia de Qualidade
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3 de Abril de 2020
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