Carta aberta aos irmãos e irmãs e a seus pais, tios, filhos e sobrinhos


No próximo domingo, 31 de maio, é o Dia dos Irmãos. É uma ideia consagrada na Europa, que começámos a assinalar timidamente em 2014 e já oficialmente desde 2015. Na Europa, o Dia dos Irmãos é dinamizado pela ELFAC – a Confederação Europeia das Famílias Numerosas –, que aprovou essa festa em Assembleia Geral, em 18 de setembro de 2014. Em Portugal, o Dia dos Irmãos é dinamizado pela APFN – Associação Portuguesa das Famílias Numerosas. Este será o sexto, contando desde 2015. 

Desde o princípio, um grupo de três pessoas temos definido e impulsionado, em cada ano, iniciativas e gestos para assinalar a festa dos irmãos e irmãs. Aquilo que, mais ou menos por esta época, foi acontecendo anualmente nas rádios, na imprensa, em várias ações públicas nos últimos anos foi resultado disso. E já houve, nestes seis anos passados, outras iniciativas que não resultaram do nosso impulso, mas da criatividade espontânea das famílias e das pessoas, dispersas pelo país. É isso mesmo que pretendemos: que o Dia dos Irmãos viva sem dependência de ninguém, porque a sociedade o assimilou e celebra por si mesma. 

O Dia dos Irmãos não é só das famílias numerosas: há irmãos em famílias que não são famílias numerosas. Eu próprio e o meu irmão – já falecido – éramos apenas dois. Os nossos pais também: a nossa mãe só tinha um irmão e o nosso pai também só teve um irmão. No nosso espaço familiar imediato, não havia famílias numerosas. Esses irmãos aos pares tinham relações muito fortes: o meu pai e o meu tio, a minha mãe e o meu outro tio e nós os dois, o Fernando e eu. Mas, embora tendo isto bem presente, faz todo o sentido que tenha sido a APFN – como, na Europa, a ELFAC – a lançar e animar esta ideia. Embora os irmãos não sejam exclusivos das famílias numerosas, estas são as famílias que mais irmãos têm e, portanto, aquelas para quem a experiência dos irmãos e irmãs é mais intensa, mais diversa, mais rica. Uma família numerosa é aquela que escolheu ter, nos seus filhos, mais de dois irmãos e irmãs. 

O propósito de nos metermos nesta aventura de lançar um dia social para celebrar a relação de irmãos e irmãs surgiu quando o meu irmão Fernando morreu. Uma de nós os três tinha-lhe falado na ideia. Mas o correr do tempo e a doença que o afetou no último ano de vida e que o levaria não permitiram que estudasse e avaliasse a ideia e a lançasse ainda à frente da APFN. Quando ele morreu, assumimos nós o compromisso de o celebrarmos por nós próprios e procurarmos irradiá-lo em Portugal e na Europa. No meu caso pessoal, é adicionalmente, também em sua homenagem, um modo, solto e feliz, de trazer o Fernando sempre comigo, pontuando a saudade, marcando as vezes que o lembrei quando quis ou em que o acaso da vida chamou a sua recordação. Um modo de festa, em vez de luto. 

Como no Dia da Mãe, no Dia do Pai, no Dia dos Avós, não há uma Lei, nem Resolução da Assembleia da República que criem estes dias. Não há Decreto do Presidente da República, nem Decreto-lei do Governo que os instituam. Não são feriados. São dias do dia-a-dia, do mesmo modo que a família é do nosso dia-a-dia. São da sociedade civil. 

Na origem destes dias e doutros que celebramos todos os anos, há muitas vezes uma deliberação de uma instituição qualquer – à semelhança da ELFAC, para o Dia dos Irmãos. Mas a sua celebração social acontece, porque, de modo mais ou menos espontâneo, a sociedade os assumiu e festeja como tradição social e, nestes casos, tradição familiar: abraçamos as nossas mães e sua memória, abraçamos os nossos pais e sua lembrança, abraçamos os nossos avós e o seu longo, enorme legado pessoal. O Dia dos Irmãos é igual: abraçamos os nossos irmãos e irmãs, a recordação e a vivência dos laços fortíssimos que nos marcam em comum. 

São laços únicos e tão diferentes e singulares de família para família quão diferentes são as histórias concretas de vida de cada uma. São histórias de lágrimas que passaram e histórias de riso e gargalhada, que fazem sempre rir ou sorrir outra vez. São histórias de partir o coco. Histórias de brincadeira e disparate. Histórias de ternura e amizade. Histórias de perigos. Histórias de zangas e de fazer as pazes. São histórias humanas riquíssimas de partilha e diferença, de identidade e combinações, de cumplicidade, de rivalidade, de jogos e competições, de segredos, de construção de espaço próprio, de aprendizagem, de afeto, de proteção dos mais novos e admiração pelo mais velhos, de entreajuda, de crescimento pessoal uns com os outros – quantas vezes, uma tribo em autogestão. 

Há de tudo entre nós: operários e doutores, até professores; há oficiais de justiça e magistrados; há advogados e gestores, economistas e engenheiros; há técnicos e auxiliares, empresários e bombeiros; há polícias; há jornalistas e historiadores, sacerdotes e líderes diversos; há médicos, enfermeiros, outros profissionais de saúde, a quem tanto sentimos dever nestes dias de crise. 

Neste ano, o nosso grupo de três motores nada fez. Quisemos ver, sem qualquer pressão ou sugestão dos nossos impulsos, o ponto em que estamos da vivência social desta festa. A força e as raízes do Dia dos Irmãos é disso que dependem, não dos nossos impulsos. E também pesou o modo Covid-19 em que vivemos desde o princípio de março, perturbando as relações sociais e o planeamento de celebrações conjuntas. 

Neste ano, quisemos fazer ao contrário: queremos apenas saber de vós e aprender convosco e a vossa criatividade. 

Apelo, por isso, a que não deixem de assinalar o Dia dos Irmãos, neste domingo, 31 de maio, pela forma que melhor corresponda ao vosso gosto e à vossa circunstância. Estejam os irmãos e irmãs, que a si se festejam ou são festejados, em idade de crianças ou adolescentes, filhos, netos ou já bisnetos; ou sejam irmãos adultos, pais de outros irmãos, com vidas próprias; ou já idosos, com longas vidas entre si, memórias que não acabam. Sejam relações de só irmãos, ou de só irmãs, ou quadros mistos de irmãos e irmãs; sejam muitos ou sejam pouco, mas sempre bons; sejam apenas dois, ou três, quatro ou cinco; sejam sete ou dez, ou mais ainda, em que as histórias se atropelam nas palavras de todos ao mesmo tempo. Sejam todos vivos ainda, ou algum ou alguns lembrados já para além do seu tempo. A todos podemos lembrar e festejar neste nosso dia, 31 de maio, o Dia dos Irmãos. 

Façam-no por favor, como quiserem e melhor vos souber. E, além da vossa casa, passem esta festa e a sua ideia na vossa comunidade próxima: no vosso prédio, na vossa rua, no vosso bairro, na escola ou na creche onde andam os vossos filhos; na vossa aldeia, na vossa freguesia, no vosso município, na rádio local, no jornal da terra; lançando beijos e abraços por cima da geografia para aqueles que foram viver para longe no Norte, no Sul, no Centro ou no Interior profundo; ou atravessando fronteiras para celebrar junto com aqueles que emigraram. Contagiem! Comuniquem a toda a gente. Que toda a gente saiba que é a nossa festa de irmãs e irmãos. 

Façam-no presencialmente, com máscara ou sem máscara, dentro das recomendações sanitárias atuais. Ou façam-no por aquelas ferramentas que a Covid-19 nos tem treinado a usar mais, desde os velhinhos FaceTime, Google Duo, WhatsUp, Skype e Facebook aos recentíssimos Zoom, StreamYard, Teams, Google Meet e sei lá que mais. E, depois, se quiserem partilhar as histórias e os testemunhos das vossas festas e contactos, as fotografias escolhidas ou os pequenos vídeos dos momentos altos desse dia, mandem-nos para < comunicacao@apfn.com.pt >, que faremos o possível por os publicar e partilhar como o registo sublime do Dia dos Irmãos 2020. 

Este 31 de maio será todo feito por vocês. Riam. Riam muito. Chorem, se for a rir, ainda que uma lágrima ao canto do olho não faça mal a ninguém. Lembrem todos, não esqueçam ninguém. Porque só todos estamos inteiros. Bom Dia dos Irmãos! 

Um abraço.


José Ribeiro e Castro
Advogado, ex-líder do CDS

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 28.Maio.2020

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