Para não sermos escravos da mentira


Há uma semana, foi lançado o último livro de João Pedro Marques, “Combates pela verdade – Portugal e os escravos”, edição da “Guerra e Paz”. O autor e o editor, Manuel S. Fonseca, convidaram-me para o apresentar, uma honra. Deu-me também muito gosto.
Dadas as restrições impostas pela crise sanitária, não pôde fazer-se uma sessão ao vivo. Se fosse uma manifestação da CGTP ou a Festa do Avante, não haveria problema. Mas, sendo a apresentação de um livro, a coisa afigurava-se perigosa.
Foi uma sessão de uma hora, à distância, cada um na sua toca, em que interviemos os três (editor, eu e o autor), usando uma plataforma aberta, o Streamyard. Creio que a gravação ainda pode ser vista na página Facebook da “Guerra e Paz”.
O livro é uma colectânea de vários artigos publicados na imprensa, sobretudo desde 2017. Foi por ir lendo estes artigos (quase todos), à medida que saíam, que conheci o autor, o maior especialista do tema da escravatura em Portugal. João Pedro Simões Marques, historiador, doutorado e investigador, interessou-se cedo por esta temática, seguindo os respectivos debates académicos nas últimas décadas, não só em Portugal, mas noutras universidades europeias e nas norte-americanas. É um tema muito agitado por aquilo que se chama o “marxismo cultural”, desenterrando, fora de tempo, lutas enviesadas e procurando cavalgar um doentio complexo de culpa para amarfanhar o Ocidente. E Portugal.
O espírito cívico de João Pedro Marques é uma bênção e um bálsamo. Os portugueses têm imensa sorte em disporem de uma pessoa como ele, que não cala o seu conhecimento, nem o arruma na prateleira. Vai à liça pela verdade. Esta – a Verdade – é a riquíssima matéria-prima do sumo dos seus livros e doutros textos avulsos.
Quando o debate cresceu por cá, após a visita à ilha da Goreia (Senegal) do Presidente da República, em Abril de 2017, João Pedro Marques atravessou-se, em contraponto aos que semeavam mentiras, meias verdades e mistificações. E de que maneira! Leiam-no. É puro serviço público, da primeira à última palavra.
A perspectiva do autor não é negacionista, como a minha também não. A escravatura existiu e é uma prática que não pode justificar-se, nem desculpar-se, mas ser condenada. Já existia pelo mundo, incluindo em África, onde também a aprendemos. Existia e existiu entre africanos, antes de nós, quer nos povos com que contactámos, quer no tráfico Sul/Norte pelo Saará ou bacia do Nilo. Atingiu proporções enormes com o uso da mão-de-obra escrava na colonização das Américas, desde o Brasil, às Caraíbas e ao que viriam a ser os Estados Unidos da América. Os poderosos africanos do litoral participavam na captura e no tráfico e lucravam com ele. O que fizemos foi mau – e deve ser conhecido. Mas não estávamos sozinhos – e deve ser conhecido.
O que é verdadeiramente novo e absolutamente extraordinário é que pusemos termo à escravidão e à escravatura – e deve ser muito conhecido. Nos últimos 250 a 150 anos, o Ocidente realizou uma série de actos e tomou medidas que levaram à sua abolição e proibição. Portugal também. Formidável! Os escravos, que existiram em todas as culturas e civilizações desde a mais antiga Antiguidade, acabaram e tornaram-se definitivamente livres, porque essa prática desumana, frequentemente brutal, entrou em contacto com os valores ocidentais e estes não o toleraram.
Isto nunca acontecera. Não o podemos esquecer. Não podemos deixar que os falsos “libertadores dos libertos” nos burlem com a escravidão da mentira. Para isso, já há vacina. Para a Covid, ainda não. Mas para os falsificadores da História e os enviesados da memória, a respeito da escravatura – o que foi, como foi e como acabou – já há vacina. E boa! São os livros e artigos de João Pedro Marques, um homem sério, um investigador rigoroso e escrupuloso, um autor que sabe muito. Leiam-no. Vale muito a pena.


José Ribeiro e Castro
Advogado, ex-líder do CDS
Presidente da APDQ - Associação Por uma Democracia de Qualidade

DIÁRIO DE LEIRIA
DIÁRIO DE AVEIRO
DIÁRIO DE COIMBRA
DIÁRIO DE VISEU

29.Maio.2020

Comentários

Mensagens populares