A magnífica receita da feijoada-como-sai



Na reunião anual da MAIS ALENTEJO, soubemos que os leitores preferem “sabores” e outros lazeres a angústias, sonhos ou zaragatas da actualidade política. Em vez de amanhãs incertos, o disfrute dos dias. Ora, fazendo jus ao chef Cozinheiro e Castro, meu personagem no “Contra-Informação”, decidi partilhar a minha feijoada, glorioso petisco.

Tem ampla margem de criatividade: nunca é igual à anterior, nem à seguinte. Há um toque que se percebe ser assinatura, mas nunca é a mesma. É a feijoada-como-sai.




Primeiro, o feijão – não há feijoada sem feijão. Pode usar-se qualquer um, menos feijão frade. Prefiro feijão branco, feijão catarino ou feijão manteiga. Cada 500 gr dá para 4 a 6 pessoas. Para consentir mais variedade, vou trabalhar com 1 kg, para 8 a 12 pessoas – e sobra. Na véspera à noite, põe-se num recipiente com água abundante, para demolhar oito horas.

A meio da manhã (três horas antes de ir para a mesa), começa a produção da almoçarada. Como ferramentas, um tacho grande, facas bem afiadas (para enchidos e vegetais) e colher de pau. E, para o refogado, azeite a gosto (não mais de 2 dl), 2 cebolas grandes e 6 a 8 dentes de alho. Pico cebolas e alhos, que vão a frigir no tacho, com 1 a 2 malaguetas e 1 folha de louro: primeiro, lume forte; depois, médio ou mínimo, com tampa. Pode esturricar levemente em lume forte, mexendo com a colher, sem queimar, e juntando um pouco de vinho branco para manter solto do fundo e ligar. Com o refogado quase pronto, deixo assim ou junto 4 a 8 tomates em cubos – ou polpa, na quantidade que quiser.

A seguir, acrescento os enchidos e as carnes. Aqui, vario a gosto: uns conjuntos numas vezes, outros noutras. Nunca uso unha e orelha, pois não gosto – dá muito trabalho para pouco proveito. Quando ponho carnes, uso entremeada e/ou entrecosto (nestas doses, 1 kg cortado em tiras) e um bocado de toucinho, que, em pedaços, vai a fritar desde o princípio com a cebola. Às vezes, só enchidos: as variedades portuguesas são muitas e óptimas. Escolho entre chouriço preto, chouriço encarnado de várias qualidades, salpicão, bacon, etc. Nestas doses, escolho 4 ou 5 tipos, no mix que me apetecer. Corto os enchidos em fatias finas ou rodelas, que vão a fritar no refogado: primeiro, os que largam mais gordura (bacon e chouriços de carne), deixando para o fim os outros e as carnes. Quando acrescento enchidos e carnes, subo o lume, mexendo com a colher para não pegar. Paro no ponto que achar bem. O chouriço de sangue não é refogado – é acrescentado, em rodelas, ao feijão a guisar, só na última meia hora. 




Agora, juntar o feijão. Deito-o todo no tacho, por cima do refogado, já com enchidos e carnes, cobrindo com água. Ponho sal a gosto. Subo o lume até levantar fervura, baixando depois para o mínimo – e tapo o tacho. O feijão deve cozer (ou melhor, guisar) durante cerca de 90 minutos. Se, antes, já estiver no ponto, desligo o lume; mas, se ainda estiver um pouco encruado, deixo mais meia-hora. Mantenho num dos bicos um tachinho com água quente, para acrescentar à feijoada e não a deixar secar.

Ao mesmo tempo, acrescento cenouras e couve. Arranjo e corto às rodelas (ou cubos) 4 a 6 cenouras. E preparo 1 couve, aos pedaços: couve-coração, couve portuguesa ou couve lombarda – a que quiser. Os talos mais grossos, em cubos, entram com o feijão logo no início da cozedura; os pedaços mais tenros da couve e as cenouras, cerca de 45 minutos depois de ter começado. Volta e meia, mexo com a colher e acerto os temperos, não pondo sal a mais. 

No final, os coentros (ou salsa). Lavo, arranjo e pico 1 molho, em pedaços. Os talos, picados, misturo-os no tacho na última meia-hora. Deito uma parte das folhas picadas no tacho, quando desligo o lume, envolvendo tudo; com a outra parte, salpico a feijoada quando vai a servir. Concluída a cozedura, desligo o lume e deixo a feijoada tapada – a descansar até ir para a mesa. Costumo também fazer arroz à parte, para acompanhar. E o arroz também pode variar.

Se quero farinheira, preparo 2 a 3, espetando-lhes meios palitos e colocando-as a cozer no topo da feijoada, na última meia hora, com o tacho tapado. Depois, tiro-as, corto-as com faca bem afiada em rodelas largas – e vão a servir à parte. Se quero morcela, preparo 2 ou 3 em rodelas médias, que frito numa frigideira em lume forte – são servidas à parte.

Verá se gosta. Mas não diga a ninguém que é a feijoada Cozinheiro e Castro. É a sua feijoada: pela sua imaginação e as variações que faz a cada dia. A famosa, a única, feijoada-como-sai!


José Ribeiro e Castro
Advogado

MAIS ALENTEJO, 1.Junho.2020
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"

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