Olivença, esse outro pedaço de Alentejo


Olivença suscita facilmente emoções imediatas. Na precipitação de as exprimirem, nas caixas de comentários a notícias e artigos online ou no ping-pong das redes sociais, a maioria cede à tentação repentista, em lugar de ponderar o melhor interesse para a terra e suas gentes. Já me deparei com isto dezenas, senão centenas de vezes, nos últimos dez anos. Muitos limitam-se a reagir, sem pensar como agir. Debitam velhas ideias feitas. Renunciam a procurar e a compreender qual a melhor ideia que serve, hoje, esta questão.

Olivença é uma bela e vasta terra com dois municípios: Olivença, com mais de 12.000 habitantes, e Táliga, com menos de 1.000. No conjunto do território histórico, são cerca de 13.000 oliventinos. O espaço é característico alentejano – para os espanhóis, estremenho. Vemo-lo nitidamente na vegetação, nas serras baixas da paisagem, nas inconfundíveis chaminés grandes das casas brancas das aldeias, no litoral ribeirinho junto à albufeira de Alqueva e na margem esquerda do Guadiana, em Vila Real, defronte de Juromenha, ou subindo o rio até à Ponte da Ajuda, que liga a Elvas.  Aqui, não há diferença entre a margem esquerda e a margem direita do Guadiana, o aquém-Guadiana e o além-Guadiana.

Na cidade de Olivença, o coração de tudo, brilha um património monumental notável. O centro histórico é de grande beleza, com as muralhas do castelo, a igreja de Santa Maria do Castelo (algumas vezes ampliada, mas que data da fundação, no século XIII), a preciosa igreja de Santa Maria Madalena (o mais importante templo em estilo manuelino a seguir aos Jerónimos, construído no século XVI), o Palácio dos Duques de Cadaval e o seu portal manuelino (hoje, alberga os órgãos do município), a Misericórdia e a sua belíssima capela, o antigo quartel dos Dragões de Olivença e mais ainda, tudo com calçada portuguesa e a toponímia espanhola actual ao lado da portuguesa antiga – curiosidade que também já se vê em Táliga.



As terras de Olivença foram ganhas aos mouros, aquando da Reconquista pelos emergentes reinos cristãos peninsulares. As terras ao longo do Guadiana na região de Badajoz foram conquistadas em 1230. Nas de Olivença, ficou a Ordem dos Templários, sendo as primeiras décadas de titularidade incerta entre Portugal e Castela. Em 1297, o Tratado de Alcanizes definiu de vez a fronteira entre os dois reinos vizinhos nos novos territórios conquistados: Olivença ficou no Reino de Portugal. Desde então, excepto num curto período de 1657 a 1668, na parte final da Guerra da Restauração, Olivença ficou pacificamente portuguesa até 1801, quando Espanha a ocupou, no quadro das invasões napoleónicas que se aproximavam. Espanha invoca para si o Tratado de Badajoz deste ano. Portugal não o reconhece e invoca ainda a Acta do Congresso de Viena, em 1815, no fim das guerras napoleónicas, onde Espanha se vinculou a restituir Olivença – o que ratificou em 1817.

É este diferendo político e diplomático com 200 anos que praticamente congelou as relações entre Portugal e Olivença e provoca aquela cascata de emoções, sempre que se toca em Olivença. É como se não houvesse Olivença, nem oliventinos, mas apenas a questão política da pendência histórica.



O que tenho procurado fazer, assim como os oliventinos mais lúcidos e conhecedores, é dar passos em frente. A pendência histórica resolver-se-á quando puder ser ou continuará assim – é o que não sabemos. O que não podemos é continuar inteiramente paralisados em 1801, ignorando as pessoas e desprezando as gentes, impedindo a fluidez das relações culturais, económicas e sociais com uma terra a que dizemos querer tanto.

A partir da fórmula que tenho afirmado – território português sob administração espanhola – temos que, salvaguardando a nossa posição de princípio e de direito, trabalhar, com sentido prático, para apoiar a língua e a cultura portuguesa na terra oliventina e promover o mais intenso e aberto relacionamento de Olivença com Portugal e no espaço da lusofonia – é o que sabemos. 

É tempo de descongelar todas as relações entre entidades oficiais dos dois lados do Guadiana quanto a Olivença e ao seu bem. As ferramentas úteis são: espírito aberto; generosidade virada ao futuro; recusa de hostilidade, que deve ser posta de lado, assim como tudo o que a desperte.

Quando Olivença, esse outro pedaço de Alentejo, chama por nós, será que não somos capazes de escutar? E de responder?


José Ribeiro e Castro
Advogado

MAIS ALENTEJO, 1.Outubro.2020
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 19.Outubro.2020

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