Crime perfeito: um atentado sem criminosos
O que aconteceu em Camarate foi um atentado. Matou sete pessoas, incluindo o primeiro-ministro, Francisco Sá Carneiro, e o ministro da Defesa Nacional, Adelino Amaro da Costa. Ninguém sobreviveu no pequeno Cessna. O crime foi sofisticado: uma sabotagem cirúrgica, para simular acidente à descolagem. É o que resulta dos dez inquéritos parlamentares. O último, em 2015, reforçou as conclusões anteriores.
De início, quase toda a gente pensou tratar-se de acidente. Mas olhando a falhas dos inquéritos oficiais, começou a recear-se sabotagem. A prova foi-se consolidando: primeiro, a prova da má investigação inicial; depois, a prova material, objectiva, do atentado. O resto tem sido muito difícil quanto a prova sólida e irrefutável. Quem foi? Quem mandou? Contra quem? Porquê? Exactamente como?
Em Abril de 1983, já o 1.º inquérito parlamentar concluiu: “tornou-se evidente que na condução das investigações técnicas e criminais se colhem deficiências, irregularidades, omissões e contradições de relevante importância para o apuramento de conclusões de significado inequívoco e categórico.” O relatório apontara a dedo “evidente descoordenação entre as actividades da CI da DGAC e da PJ, bem como certas investigações paralelas de técnicos da TAP.” Numa investigação, não há pior do que descoordenação: é o fatal alçapão para incompetência e falsidade.
Em Março de 1981, fora publicada uma “verdade oficial”, que se verificaria falsa. A mentira proclamada como verdade intoxicou todo o processo judiciário e contaminou a busca da verdade. A ideia implícita era esta: se foi acidente, não há crime; se não há crime, não há criminosos. Foram negligenciados todos os sinais de acção criminosa e abandonadas as denúncias de suspeitos.
Valeu o Parlamento para descobrir. Mas não conseguiu ir mais longe no apuramento cabal de responsabilidades. Há coisas que só a polícia e os tribunais podem penetrar e estabelecer.
Pelo que foi recolhido, o mais provável é: o atentado ter tido como alvo Amaro da Costa; o móbil ter sido impedir que o ministro, pelas perguntas que fazia e a investigação que quis promover, comprometesse operações altamente sensíveis de material militar transitando por Portugal; este tráfico estar ligado ao que, anos depois, veio a conhecer-se como Irangate – operações clandestinas investigadas no Congresso dos EUA, que deverão ter começado em Outubro de 1980, quando rebentou a guerra Iraque/Irão, que tornou aquele tráfico premente e urgente.
A colaboração dos EUA poderia talvez deslindá-lo. Mas nunca houve essa colaboração positiva. Ou se o principal arguido, Sinan Lee Rodrigues, tivesse falado. Nunca falou. Faleceu há poucos anos.
José Ribeiro e Castro
Advogado, ex-líder do CDS
CORREIO DA MANHÃ, 4.Dezembro.2020
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