E que tal uma democracia a sério?
O final do ano teve, para os reformistas inconformados, uma muito boa notícia. Um estudo da Eurosondagem para a SEDES revela que os portugueses são favoráveis a uma reforma eleitoral com círculos uninominais a par dos plurinominais, permitindo aos cidadãos escolher directamente deputados no quadro da representação pelos partidos. Excelente presente nos 50 anos da SEDES: já que os partidos não fazem o que lhes compete, que se veja o que os cidadãos querem.
Durante quatro anos, com uma pequena equipa, trabalhei nesta reforma, no quadro da SEDES e da APDQ – Associação por uma Democracia de Qualidade. Fizemos inúmeras sessões pelo país, debates e apresentações parlamentares e um anteprojecto de lei, apreciado como petição na Assembleia. Provámos que a reforma não é um bicho de sete cabeças: é simples, fácil e possível. É a que cumpre a Constituição (após a revisão de 1997) e é uma proposta honesta: isto é, serve a todos, não beneficiando nenhum partido contra outro. Só falta fazer.
A sondagem indica que 60,3% dos portugueses não quer o sistema como está. O número não surpreende: em 2019, a abstenção foi já de 51,6%! E mostra também que o eleitorado sabe o caminho: 65,2% (quase dois terços) quer poder eleger o seu deputado.
Mais interessante é a concretização da ideia de reforma: só 25% gostaria de um sistema maioritário (à inglesa ou à francesa), enquanto 47% querem o sistema misto (à alemã). É a acertada sinalização do caminho. Não podíamos receber melhor impulso para retomar estes trabalhos a partir da sociedade civil, com independência, em 2021.
A reforma é crucial para devolver à política nacional a qualidade democrática que tem vindo a perder. Embora inspirado na experiência alemã do pós-guerra, que é brilhante, o modelo SEDES/APDQ é o modelo português, talhado para as nossas circunstâncias e necessidades e sequência da nossa história democrática.
Como se devolve à cidadania a democracia? Os círculos uninominais de proximidade (em que se escolhe só um deputado) são subdivisões dos círculos plurinominais distritais/regionais, onde se apresentam listas, para definir, como hoje, os contingentes proporcionais de cada partido; e metade dos eleitos são os vencedores individualmente nos círculos de proximidade, entrando à cabeça do contingente proporcional obtido pelo respectivo partido. Um círculo de compensação completa a garantia de proporcionalidade e representatividade.
Por isso, no dia das eleições, os eleitores escolhem, com duas cruzes no boletim, o partido preferido e o deputado que querem; e, ao fim do dia, recebem uma Assembleia da República com a exacta composição proporcional da sua votação partidária, mas com os deputados que eles próprios escolheram ou influenciaram de modo determinante. Enfim, um Parlamento que representa realmente os eleitores, com deputados que têm de estar sempre a prestar contas. E um prémio adicional: a regeneração do sistema partidário, favorecendo a democracia interna e o fim do império dos directórios e do aparelhismo.
Somente atribuindo aos cidadãos poder na apresentação e escolha dos deputados, o sistema se regenerará com saúde: eleições participadas e justas; proporcionalidade mais genuína; representantes efectivos e responsáveis; partidos a recuperar o prestígio e o crédito perdidos.
Quem o não quer?
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