Exigência e estado de emergência
Há doenças de que a negação faz parte. Nas adicções tem diferentes vestes: “isso não existe”; “não tenho isso”; “só os burros, a mim nunca acontecerá”; “o que aconteceu não quer dizer nada”; “foi só uma vez”; “passa logo”; “não tem problema”; “lido bem com isso, não sou parvo”; “sei muito bem o que faço”. Acontece noutras doenças também. É um problema na saúde pública: ninguém se cuida, se protege, se trata, se está nalgum modo de negação.
A consciência dos riscos, meios de protecção, instrumentos de resposta é essencial à saúde. Não é pânico – deve ser afastado. É informação e responsabilidade. A menorização dos riscos desprotege; a enormização desacredita e, assim, desprotege também.
A pandemia, em todo o mundo (excepto na China e outros asiáticos), veio articulada com fortes vagas de negacionismo, que enchem as redes sociais e transbordam nas conversas. É uma das maiores adversidades na resposta da saúde pública. Esta depende da adesão espontânea e interessada da cidadania. O negacionismo afecta a disciplina social imprescindível a atravessar este período, quer para sair da crise sanitária com o menor número de atingidos, quer para manter a sociedade e a economia em operação razoável. Além do vírus, que é perigoso, é a indisciplina que nos conduz ao confinamento.
Os partidos, de modo geral, não têm estado bem na informação pública. Viu-se nas votações do estado de emergência: muitos decidiram fazer política no palco errado. Votar o estado de emergência não é aprovar medidas; cria o escudo legal de adopção das medidas concretas tidas por necessárias, afastando querelas intermináveis sobre constitucionalidade. Dá ao Governo a máxima liberdade, para poder exigir-lhe máxima responsabilidade.
De Março a Maio, estiveram bem BE, CDS, PAN, PS e PSD, ao aprovarem o estado de emergência. Estiveram muito mal IL e PCP, que evoluíram da abstenção para o voto contra. E estiveram sofríveis, Chega e PEV, optando pela abstenção.
Boa parte da população, ao ver votos contra o estado de emergência, conclui que, afinal, não há emergência nenhuma (ou “não é tanto assim”, quando vê abstenções) e tende a relaxar os cuidados indicados ou a transgredir. O pior tem sido o PCP: votou contra e aplicou um modo de negacionismo institucional no 1.º de Maio e na Festa do Avante – péssimo exemplo social. De Novembro para cá, só PS e PSD mantiveram o voto certo: a favor. Chega, IL, PCP, PEV e a oscilante deputada Joacine favoreceram o negacionismo, pelo voto contra na fase mais aguda da pandemia. BE e PAN, com o CDS desde a segunda votação, resvalaram para a abstenção meias-tintas.
É um erro: grave pela mensagem pública de menorização; mal avaliado, porque votar a emergência não impede de criticar o Governo, por medidas insuficientes ou excessivas. Pelo contrário: dá mais legitimidade e credibilidade às críticas. Não vimos o primeiro-ministro atacar (com despropósito) o deputado Baptista Leite, do PSD? Porquê? É o tipo de posição que teme – não a de qualquer um que votou contra a emergência.
As críticas feitas fora do espaço político do enfrentamento da pandemia soam a desgoverno e têm credibilidade afectada. Como pode exigir mais medidas – ou mais fortes – quem votou contra o quadro que permite adoptá-las? Como pode criticar a deterioração sanitária quem reclamou menos restrições ou deu exemplo público de querer ser excepção?
José Ribeiro e Castro
Advogado, ex-líder do CDS
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 13.Janeiro. 2021
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