Gonçalo Ribeiro Telles – o monárquico, referência na República
Gonçalo Ribeiro Telles era praticamente da idade de meu pai. O meu pai era de Julho, Gonçalo Ribeiro Telles, de Maio. Digo-o, para que se compreenda melhor o tempo com que o olho. Foi também engenheiro agrónomo como meu pai, ambos formados na grande escola do Instituto Superior de Agronomia. Ribeiro Telles enveredou, porém, pela Arquitectura Paisagista, área a que dedicou a sua vida profissional e intelectual e domínio em que o vejo como um fundador em Portugal. Foi, porém, na política que o conheci e em que mais o recordo e respeito.
Gonçalo Ribeiro Telles foi um monárquico consequente. Com o seu carácter, o seu estilo, a sua fidelidade, a sua coerência, conseguiu resolver a quadratura do círculo: ser um político monárquico e uma referência na República. Ao mesmo tempo, foi também até uma referência da República, sem quebra de coerência ou de fidelidade. Conseguiu, aliás, superar outra quadratura do círculo: ser grande num partido pequeno. E nunca precisou de pôr-se em bicos de pés – nem essa era a sua maneira de ser. Tudo o que fez e conseguiu foi com naturalidade e simplicidade.
A questão monárquica vertida em partido político não é uma questão pacífica entre os monárquicos. Não tenho competência para me pronunciar sobre isso. Não direi qualquer opinião. Compreendo a dificuldade do problema e apenas o assinalo.
Uma das dificuldades está, por exemplo, em não ser um partido revolucionário, que desatasse a pôr bombas para derrubar a República ou, sem cair no extremismo, desenvolvesse uma permanente actividade sediciosa nos espíritos e contra as instituições. Outra dificuldade, que é sobretudo um risco, está em evitar e conseguir impedir que o partido pudesse ser instrumentalizado por oportunistas, que pretendam cavalgar o prestígio da ideia monárquica e das figuras da Casa Real para próprio uso e proveito politiqueiro. Outra das dificuldades está em saber que há espíritos mais ou menos monárquicos em todos os partidos e, por conseguinte, é muito difícil um partido monárquico conseguir concentrar a totalidade do voto monárquico. Última dificuldade, conexa com esta, está em conseguir evitar que se estabelecesse a ideia errada de que o regresso da Monarquia corresponderia a um regime de partido único, qual fosse o partido monárquico alçado ao poder do regime. Na nossa História, aliás, o último século da Monarquia corresponde ao período da monarquia constitucional e mostra um período de democracia pluripartidária que, apesar das suas crises, foi estável em largos períodos e muito mais saudável do que a I República. Podemos até dizer que, nesta perspectiva da democracia e do institucionalismo, a nossa Monarquia Constitucional foi mais “republicana” que a I República.
Ribeiro Telles falou e interveio sobre estes temas várias vezes. É ele que deve ser lido e relido – oxalá alguém compile, organize e edite os seus artigos, discursos, entrevistas e outros escritos políticos. Porque ele é que soube porquê e como tomou as opções fundamentais que tomou, na exacta oportunidade que existiu e perante os desafios que se colocaram.
O seu caminho como político e líder monárquico foi definido, ainda durante a “primavera marcelista”, quando se pressentia já o fim do regime anterior. Em 1971 funda, com outros, a Convergência Monárquica. E, logo pouco depois do 25 de Abril, duas semanas depois do PPD, surge o Partido Popular Monárquico em 23 de Maio de 1974, por impulso da Convergência Monárquica. Gonçalo Ribeiro Telles seria o líder do PPM até 1993, quando o abandonou para fundar outro partido: o MPT – Movimento Partido da Terra.
Nas eleições nacionais, constituintes e legislativas, o PPM nunca foi além dos 30.000 ou 25.000 votos, que obteve logo em 1975 e 1976, correspondendo a cerca de 0,5%. Era, portanto, um partido pequeno, que nunca conseguiu eleger deputados por si só. E, todavia, conseguiu ser um partido marcante e influente.
Esse peso e prestígio foi obtido sobretudo no quadro da AD – Aliança Democrática. Na esteira das reuniões tripartidas chamadas de Convergência Democrática, lançadas ainda em 1978, o PPM foi sempre visto por PSD (Sá Carneiro) e CDS (Freitas do Amaral e Amaro da Costa) como parceiro fundamental no projecto a que começaram a dar forma. E, em 1979, apesar da diferença de dimensões, os líderes dos três partidos da AD apareceram sempre em paridade desde o primeiro dia da Aliança Democrática. Essa ficou a imagem de marca e o referencial histórico do ambicioso projecto nacional e democrático: Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Ribeiro Telles, sempre lado a lado.
O PPM, assim como os chamados “reformadores”, eram percebidos pelos dirigentes e estrategas da AD como factor qualitativo de alargamento político, mesmo que, à partida, o seu contributo eleitoral quantitativo parecesse pouco relevante. E esse efeito pretendido produziu-se: PSD, CDS e PPM somavam 40,5% em 1976; nas eleições de 1979 e 1980, a AD e seus partidos atingiram 45% e 47,5%. Para isso, a AD capitalizou algumas mais-valias. Uma delas foi o PPM liderado por Gonçalo Ribeiro Telles.
Não se pense que isto não passava de cosmética em que o PPM era usado como flor na lapela ou retrato a óleo na parede do salão. Nada disso. Ribeiro Telles era genuinamente respeitado pelos seus pares, líderes do PSD e do CDS, ouvido e levado em conta. Participava, isto é, realmente fazia parte. E o mesmo aconteceu com outros dirigentes mais destacados do PPM, assim como com os deputados monárquicos eleitos nas listas da AD em 1979 e 1980.
Gonçalo Ribeiro Telles só iria para os governos da AD depois da morte de Sá Carneiro em Camarate. E mais uma vez marcaria. Na área a que dedicou boa parte da sua vida – o ambiente e a política ambiental -, já tinha sido chamado a funções governativas a seguir ao 25 de Abril: como subsecretário de Estado nos I, II e III Governos Provisórios (1974-1975) e como secretário de Estado do I Governo Constitucional, liderado por Mário Soares (1976-1977). Em 1981, quando foi necessário responder a uma crise interna da AD, acompanhou o regresso do líder do CDS, Freitas do Amaral, ao governo e, como líder do PPM, avançou para ministro de Estado e da Qualidade de Vida do VIII Governo Constitucional, liderado por Francisco Pinto Balsemão. Já não havia Sá Carneiro, mas era preciso ter outra vez os três líderes partidários lado a lado, na frente política, para tentar salvar o projecto comum, muito abalado desde a tragédia de Camarate e a derrota nas eleições presidenciais.
Gonçalo Ribeiro Telles fica, na memória colectiva como monárquico comprometido, muito fiel, amigo e leal ao “seu” Rei D. Duarte Pio, que sempre reconheceu e afirmou como cabeça da Casa Real, figura maior da ideia e da memória monárquicas em Portugal. E fica como um ambientalista avant la lettre, alguém que cuidava de política ambiental quando quase ninguém falava dela. Um inconformado teimoso que deixou alertas inúmeros, sem ser um velho do Restelo. Os seus alertas eram verdadeiros e não se ficou por eles: apresentou propostas para diante. O seu ambientalismo, aliás, não era anti-económico: tinha preocupações com a economia e procurava articular economia com ecologia e ecologia com economia. Dedicou a sua vida àquilo de que foi ministro por pouco tempo, em 1981/83: a economia com qualidade de vida. Foi um avisador precoce para a questão da sustentabilidade e prolongou a sua influência por muitos anos e muitas décadas. Grande é o seu legado.
José Ribeiro e Castro
Presidente da Sociedade Histórica da Independência de Portugal
Advogado, ex-líder do CDS
Advogado, ex-líder do CDS
REAL GAZETA DO ALTO MINHO, 2.Janeiro.2021
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