O vencedor e o campo de treinos
A comunicação social publicou as habituais análises sobre vencedores e vencidos das eleições. São curiosidades. Na realidade, o domingo só teve um vencedor: Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente reeleito.
Órgão unipessoal, a Presidência da República é o único patamar de poder para que votamos que não tem mais ninguém além do único titular. A cadeira do Presidente só tem um lugar. Não cabe mais ninguém na eleição. Como veremos claramente em 9 de Março, quando tomar posse e se tiverem já esfumado todos os fumos da campanha, só haverá o Presidente e, esboçando um espaço político, a maioria popular que o elegeu. Tudo o resto passou: acabou na noite de dia 24.
Aliás, Marcelo foi um vencedor que ganhou bem, apesar das extremas dificuldades da situação sanitária, social e económica. E apesar de erros que, a meu ver, cometeu, ao baixar quase a zero a sua campanha. Poderia, com imaginação, ter adaptado o discurso e a campanha à circunstância, sem necessidade de a encerrar em confinamento. Mas não foi preciso. Podia ter sido eleito à tangente, mas foi vitorioso com larga folga. Podia ter baixado a votação face a 2016, mas subiu muito: mais oito pontos percentuais, mais 120 mil votos.
O discurso da noite eleitoral já nos disse algo de como olha e o que vê. Mas há que aguardar pelo discurso da posse para termos chaves de leitura mais claras para este segundo mandato. Não vai ser fácil. Temos a pandemia – terrível! – com o “milagre português” que nos disse adeus; a economia a sofrer e os custos sociais inerentes; a direita em crise (como ele alertou, bem antes de 2019); o governo, o PS e a maioria em evidente fragilidade e sérias perturbações; uma crise política no horizonte a seguir às autárquicas; a perspectiva de ter de encetar a recuperação pós-pandemia e o crescimento económico num quadro deslaçado e incerto.
A palavra do Presidente vai ser muito necessária, para reunir moralmente o país, elevar animicamente os cidadãos, congregar espiritualmente os portugueses. O seu exemplo também. Por muito que irrite aqueles que o atacaram e desmereceram – por vezes, para enxovalhar –, os portugueses gostam dele. E ele também gosta dos portugueses. Isto vai ser preciso na dose certa: a dose do afecto que é confiança.
No mais, as eleições foram o campo de treinos para outros jogos e campeonatos. Não é bom. Comentá-las é comentar sondagens. O que signifiquem está para se ver: só as autárquicas e legislativas nos dirão. Houve dois votos de protesto: Ventura, o protesto “hard” – o protesto para causar terramoto -, e Tino de Rans, um protesto “soft” – o protesto não-demolidor. Os outros cumpriram missões de afirmação e marcação de território. Ventura ganhou gás, mas perdeu todas as metas que fixara: não ficou à frente de Ana Gomes; não teve “mais um voto” do que a esquerda; e não teve 20%. Agora, acabou a corrida do homem só, começa a marcha do partido. O desafio é muito diferente, carregado de exigências orgânicas e gregárias, onde a vida interna do Chega não tem dado grandes provas. O campo de treinos fechou.
Uma nota final. Tenho ouvido críticas à intervenção do líder do CDS na noite eleitoral. Não deveria ter-se posto a cavalo da vitória, que é de Marcelo. Mas fez bem em afirmar-se na maioria presidencial. Esteve melhor que Rui Rio. E a verdadeira questão é esta: em que posição estariam o CDS e o líder se tivessem seguido os que atacaram Marcelo e queriam não o apoiar?
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