A golpada


“The Sting” (A golpada), com Paul Newman e Robert Redford, é um grande clássico: ganhou sete Óscares em 1974, entre os quais o de Melhor Filme. Quase 50 anos depois, a golpada de Adolfo Mesquita Nunes é um “remake” de terceira ordem: um filme demasiado visto nas últimas décadas do CDS, com os artistas do costume. Só o tema musical poderia ser o mesmo: “The entertainer”.

O momento e o modo escolhidos mostram inoportunidade e ao que vêm: interesses próprios e de terceiros. Deviam revelá-los. Servem uma agenda alheia, numa conjuntura em que se usa o CDS como arena de disputa da IL e do Chega.

A crise aberta dois dias depois das presidenciais não é do CDS. Talvez da frustração liberal, cuja candidatura, tendo visto o “vendaval liberal” nas primeiras projecções, ia acabando a noite atrás de Tino de Rans. A esquerda e a IL foram os únicos combalidos da noite. Dentro do CDS, ninguém.

Nunca se esclareceu o episódio da pseudo-candidatura presidencial de Mesquita Nunes. Viu-se ser lançada por Carlos Guimarães Pinto (IL) e Mesquita Nunes queixar-se de não ter vaga de fundo no CDS. O candidato acabaria por ser Mayan, levando para mandatário um conhecido membro do CDS, apoiante de Mesquita Nunes, que, entretanto, é um dos promotores do novo “IDL” da IL, onde já está uma deputada do CDS. Um enredo cheio de nós.

A estratégia do CDS, quanto às presidenciais, provou ser a correcta - a oposição interna tem de o reconhecer. Marcelo Rebelo de Sousa arrumou a esquerda e lidou bem com a direita da pandemia, que se opõe ao estado de emergência. O CDS superara a dificuldade auto-criada pelos aliados da IL e do Chega. Podia, agora, focar-se nas autárquicas. Veio Mesquita Nunes dividir, interromper os mandatos, amolgar o partido, rasgar uma crise.

Que ideia é esta de antecipar de um ano o Congresso? O que é isso de um Congresso digital, a coberto do nevoeiro da pandemia, em grave lesão da democracia, ilegal atropelo das regras e praxes, num “e-golpe” planeado, um assalto electrónico ao poder?

Que desfaçatez é esta de, em desrespeito humano, abrir crise na fase terrível da pandemia com 300 mortes/dia? Quando o CDS necessita de todas as energias para os deputados fiscalizarem a acção governativa na saúde e na protecção da velhice, como se distraem num pátio de recreio interno, desviados para o umbigo?

Que abalo é este em cima do escândalo da votação da eutanásia, dando cobertura ao extremismo de partidos e deputados que esconderam o tema dos programas eleitorais, impediram o referendo e avançam contra a Constituição?

Que petulância é esta em cima da preparação das autárquicas, quando o CDS iniciava um acordo com o PSD? Por que se faz tanto mal ao partido?

Que descoco é este de vir proteger o PS, que saiu em cangalhos das eleições presidenciais e estava a lamber as feridas? Ou será para proteger o BE, que não ficou melhor? Porquê disparar tiros para dentro de casa e safar os adversários?

Que desacerto é este de ensimesmar o CDS, quando o governo governa no pior de sempre e pede, como nunca, oposição assertiva, voz firme e atenção exigente, com capacidade de proposta? Onde estão os deputados que, em 2019, ainda sobraram ao CDS, em Bruxelas e em Lisboa? A apoiar a golpada de Mesquita Nunes? Tenham paciência. Representem os eleitores. Pelas nossas ideias, contra os nossos adversários.  

Isto é democracia sem qualidade. Pior: nem é democracia, é só falta de qualidade. A política desprestigia-se nestas golpadas. Os portugueses estão fartos.


José Ribeiro e Castro
Advogado e ex-líder do CDS

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 3.Fevereiro.2021

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