Eusébio e Maradona
A morte recente de Maradona pôs de novo uma figura do futebol no centro das atenções e das emoções em todo o mundo.
Não há quem não conhecesse Maradona, não se tivesse maravilhado com as suas jogadas e, não sendo argentino, nem adepto dos clubes onde jogou, vibrado com algum dos seus golos. É o poder do futebol, a atracção maravilhada, a polarização tribal, a força emocional. O inesperado da notícia e o efeito de choque fizeram o resto. Maradona, apesar de maltratar muito a sua saúde, tinha apenas 60 anos.
Vimos tudo nas televisões: o vendaval que correu o mundo inteiro e parou a Argentina. Entretanto, já passou e sumiu. Ficaram apenas os ecos de algumas polémicas desenterradas pela extrema atenção noticiosa em torno da sua morte – e, é claro, também da sua vida.
Ninguém põe obviamente em causa o talento excepcional de Maradona para o futebol. Mas um ídolo popular exige mais. E, infelizmente, a vida de Maradona foi recheada de trevas e conflitos, altos e baixos em ziguezague constante, engajamentos políticos e comportamentos pessoais sombrios, explosões temperamentais e quebras de obrigações sociais, que encheram páginas de jornais e vídeos televisivos, manchando o brilho do dom futebolístico com que enfeitiçava milhões de admiradores.
Por mim, prefiro Eusébio. Sem a mais pequena dúvida. Temos que partir do atleta que atrai a atenção geral e, depois, seguir tudo: o que faz com o talento e o que faz com a fama e seu poder.
Como jogador, Eusébio não fica atrás de Maradona. Eusébio não jogou no tempo do poder esmagador da televisão, mas numa altura em que as transmissões televisivas eram raras – acreditava-se que os adeptos deixariam de ir aos estádios, se os jogos fossem transmitidos na televisão. Mas os que o vimos nos estádios e os que recordamos outros grandes jogos televisionados somos testemunhas do seu fabuloso talento. De Maradona, mostra-se repetidamente aquela fantástica arrancada contra Inglaterra, considerado o “golo do século” – um galope de mais de meio campo. Vi arrancadas semelhantes a Eusébio. Vi os seus livres directos. E os penaltis também. Vi-o virar o jogo contra o Real Madrid, na final de Amesterdão, levando o Benfica a ganhar 5-3 o que começara a perder 0-2. Vi-o repetir a dose, no Estádio da Luz, nos 5-1 ao mesmo Real Madrid, em 1965. Vi-o virar o famoso jogo contra a Coreia do Norte, no Mundial de 1966, em que Portugal terminou a vencer por 5-3 um jogo em que nos estávamos a afundar por 0-3. Vi ainda mais, muito mais.
Eusébio teve golos prodigiosos, de todas as formas e feitios. Golos de cabeça e com os pés. Petardos arrancados lá do fim do mundo e chapéus subtis. Assistências mortais para algum companheiro. Penáltis de guarda-redes para um lado, bola para outro. Golos de raiva, de poder total, de matador e outros de artista matreiro. Arrancadas fantásticas pelo campo fora, ora a direito, ora em diagonal. Remates explosivos à entrada da área, apanhando no ar uma assistência sem a bola tocar do solo. Dribles de arte pura. Não sendo o capitão, puxava pelos companheiros como mais ninguém. Não tinha só pés, mas coração. E cabeça também – não há nenhum bom jogador que não seja inteligente. É pena que não haja alguém que visite de modo sistemático os arquivos de vídeo existentes e seleccione para pôr no mercado e na net os best of de Eusébio.
Eusébio não teve as equipas de produção que seguem, hoje, as grandes estrelas e apoiam as suas lendas. Não era de uma grande potência do futebol mundial – só há pouco Portugal ganhou um título europeu. E o campeonato português não tem a expressão internacional das grandes Ligas europeias ou das congéneres latino-americanas. Foi um jogador fenomenal, mas com menos gente a ver.
A lenda de Eusébio não se fez só de bola, mas de cidadania. Não será isento de mácula – nenhum de nós é. Mas teve um percurso exemplar, brilhando inclusive na Selecção Militar. Serviu sempre o seu Benfica e a Selecção Nacional no mais alto patamar. Foi embaixador no futebol e a partir do futebol. Irradiava simplicidade e simpatia.
Faz parte da galeria dos que são realmente brasão de ética desportiva, como Pelé, Franz Beckenbauer, Bobby Charlton, Johan Cruijff – aqueles que espelham o desporto como modelo de virtudes, um ideal tão esfarrapado.
Por isso, está muito bem no Panteão Nacional, como herói popular. É o primeiro negro no nosso Panteão Nacional. Não é bom que tenha morrido. Mas, tendo morrido, é no Panteão que pertence. Que orgulho!
José Ribeiro e Castro
Advogado
MAIS ALENTEJO, 1.Fevereiro.2021
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"
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