Negacionismo e emergência
A negação é um problema sério em saúde. Igual a “fake news”. Aparece em variadas formas: negação da existência da doença, negação de a ter contraído, negação de sintomas, negação das causas, negação dos efeitos, negação da persistência, negação da gravidade, negação da prevenção, negação das respostas, negação da importância.
Quando o vírus atacou e, depois da China, chegou à Europa, pondo-nos em confinamento, era comum desdenhar da doença. A pergunta repetida nas redes sociais era esta: “conheces alguém que tenha apanhado Covid?” Hoje, na segunda vaga, é difícil acharmos alguém que, no círculo familiar e de amigos, não conte, pelo menos, uma morte Covid.
As autoridades têm responsabilidade no descontrolo das respostas. Não pretendo minimamente isentá-las – sobremaneira ao governo – da prestação de contas. Mas o comportamento público é capital na travagem e minimização dos riscos, numa pandemia destas. Cada um é livre de encarar a sua saúde como entender, mas, uma vez infectado, é ameaça para toda a gente. Não se trata de viver em pânico, o que sempre combati. Trata-se de responsabilidade, pessoal e social, cuidando de que a ameaça é séria.
Em Maio, noutro artigo, chamei a atenção para a diferença abissal entre os números da China e do resto do mundo. Também em Taiwan. Macau, por exemplo, estacionou, longos meses, em 46 casos – agora, só mais dois –, não tendo uma só morte. Comparando com os pequenos territórios europeus, estes estão entre as piores estatísticas mundiais. Hoje, o abismo entre China e Ocidente é ainda maior: descomunal.
O negacionismo é uma das explicações. Por razões políticas, na China; mas também culturais. A Oriente, o combate à pandemia foi levado a sério. Os “pataratas pela verdade” não tiveram espaço. A economia pôde ser reaberta em segurança. O PIB voltou a crescer. As vítimas são muitíssimo mais baixas.
Temos de examinar a política. Não me rendo à ideia de os regimes de liberdade serem piores que os autoritários. O espontâneo comportamento da população é determinante. Foi isso que nos perturbou à saída da primeira vaga, no repentino agravamento da segunda e na gravíssima recaída dentro desta, onde estamos.
Foi fatal, creio, a quebra interna do PS em meados de Outubro. Doutros partidos, também vinham discursos errados de aligeiramento e leveza – negação. Mas um governo em combate com uma crise pode bem com críticas ou ideias perturbadoras da oposição. O que não pode é com quebras internas no seu mecanismo de decisão. Quando o primeiro-ministro anunciou uma proposta (a meu ver, acertada) para tornar obrigatória a Stayaway Covid e o uso de máscara na rua, levantou-se forte vendaval que envolveu a ala esquerda do PS, com a deputada Isabel Moreira e a ministra Alexandra Leitão em destaque. Levantaram-se alguns constitucionalistas, como se o vírus soubesse Direito, não estivéssemos num quadro de força maior e o Direito Constitucional não tivesse ferramentas para lidar com as colisões de direitos. Negação, em suma. É claro que o Estado não era Estaline, o vírus é que é perigoso – e traiçoeiro.
O governo perdeu a parada e ficou mais frágil para a determinação imperativa, o que explica parte do acontecido. E também contribuiu o obstinado voto contra o estado de emergência da esquerda da pandemia (PCP e PEV) e da direita da pandemia (IL e Chega), juntando-se a comunistas e verdes. Passam a ideia de nenhuma das medidas ser precisa, negando, assim, o único quadro em que podem ser decretadas: a emergência. O que seria de nós, se governassem?
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