A República podre
República podre é aquela em que apodrecem as instituições, apodrece a sua respeitabilidade, apodrece o respeito por elas, não só por parte dos cidadãos, mas de umas instituições sobre outras. Não falo de corrupção, nem de nomeações. O caso é pior. Chama um sobressalto de decência, de seriedade, de sentido das regras, para atalhar a decadência.
A última desvergonha espreitou na manchete de 20 de Março, não desmentida: “PS e PSD querem forçar eutanásia”. A notícia conta que, nas inquirições parlamentares, “o PSD e o PS estão a condicionar a escolha dos próximos juízes-conselheiros do Tribunal Constitucional a uma posição favorável à despenalização da morte medicamente assistida.” E adianta que três candidatos, com sólidos créditos académicos, Jorge Pereira da Silva, Luís Pereira Coutinho e José Eduardo Figueiredo Dias, já teriam sido queimados por este método da guilhotina mental. Em suma: batota.
Já antes, em 10 de Março, a deputada Isabel Moreira, agindo na qualidade de Presidente intermitente do Partido Socialista, anunciou no Facebook a nova linha do PS: “Perguntas genéricas e académicas não são suficientes. (…) Claro que não se pode perguntar a um candidato a juiz do TC o que pensa de um diploma que está em apreciação naquele momento, mas pode e deve perguntar-se o [que] pensa sobre a matéria em si, o que pensa sobre direitos das minorias, o que pensa sobre a eutanásia, se a nega em absoluto, se acompanha as decisões recentes dos tribunais constitucionais austríacos, italiano e alemão ou se não tem posição.” No mesmo dia, o deputado do BE José Manuel Pureza escreveu: “Aproximarmo-nos das ‘hearings’ do Congresso dos EUA é um caminho difícil, mas necessário. Causa incómodo? Paciência.”
Este assalto à independência e à liberdade de juízo dos juízes do Tribunal Constitucional suscita graves questões constitucionais. Além disso, o sistema norte-americano é diferente do nosso, que, na tradição europeia, é muito mais exigente na separação entre política e tribunais. E é revelador de que a linha do PS anunciada por Isabel Moreira corresponde a um plano urdido, expresso antes do Acórdão do dia 15.
Chegámos à fase em que, no futebol, se metem golos com a mão, descaradamente, com todo o público a ver, mas o árbitro não. É o apodrecimento da República, empurrado pela obsessão com a eutanásia, num país em que a Constituição estatui: “A vida humana é inviolável.”
Para passarem a lei, PS e PSD esconderam dos programas eleitorais, em 2019, a intenção de o fazerem, levando os eleitores ao engano. Primeiro golpe na República. A seguir, com 100.000 cidadãos a pedir referendo, rejeitaram-no. Segundo golpe na República. Depois, aprovaram tudo à mistura com o maior pico da Covid, centenas de mortes por dia e em estado de emergência. Terceiro golpe na República. Enfim, urdiram o plano imbatível: “se o Tribunal Constitucional não vem até nós, subimos nós a vergar o Tribunal.” Quarto golpe na República, golpe fatal.
Vamos para trás da Hungria e da Polónia, nos debates europeus. Voltando ao caso “República”, um clássico da democracia, este PS de hoje fica do lado dos tipógrafos, em vez de no lado da redacção e da liberdade editorial. Se Isabel Moreira ouvir a inquirição de Amy Barrett para que aponta no seu post, verá que o papel que está a cumprir não é o de Amy, nem o da congressista, mas o de Donald Trump. E, no caso do PSD, faz Sá Carneiro revolver-se várias vezes no túmulo. Se isto não é podridão, o que é podridão?
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