Covid: como estamos face à China


Um ano depois, pode fazer-se um balanço. Foi muito pior do que antecipámos. Importa saber porquê. Porque chegou cá a “gripezinha”, porque bateu tão forte, porque foi cada vaga pior do que a anterior. Dá ideia de que não acreditámos e não aprendemos. Quando falo em nós, não me refiro ao nosso país, mas aos europeus, ao Ocidente em geral.

Tudo começou na China, centrando as atenções do mundo em Janeiro de 2020. Aquelas imagens esmagavam-nos no início da Covid-19, em Wuhan: contágio acelerado, mortes a subir, medidas duras de confinamento, respostas sanitárias de emergência. Era longe e terrível.

Em Março, chegou cá. Nessa primeira vaga, surpreendeu-me ser rapidamente pior do que na China. Saltam-nos lembranças dramáticas de Itália e Espanha. Mas foi terrível quase em todo o lado: Estados Unidos, México, cordilheira andina, França, Brasil, Reino Unido, Alemanha, Suíça, Bélgica, tantos outros. A China foi ficando para trás nas estatísticas que nos haviam parecido de horror. Para nosso mal, as nossas têm sido muitíssimo piores. Incomparavelmente piores.

Nesse período, segui diariamente os números. Quando parei, em 1 de Julho, a China (que, logo em Março, saíra do topo solitário das tabelas) era já, em indicadores per capita, apenas o 159.º país em número acumulado de casos (58 casos/1 milhão de habitantes) e o 127.º em mortes (3 mortes/1M). Na altura, o 1.º em casos era o Qatar (34.548/1M) e em mortes a Bélgica (842/1M). Portugal estava na 25.ª posição mundial em casos (4.164/1M) e na 18.ª em mortes (155/1M). Já era mau.

Depois, foi o que sabemos, com a Europa, nesta altura, a batalhar ainda por sair desta última vaga. Anteontem, 1 de Março, a China caíra para o 182.º lugar (62 casos/1M) e 169.º (3 mortes/1M). O Montenegro é o 1.º em casos com 121.447/1M; em mortes, o 1.º é a República Checa (1.909/1M). Portugal está em nada invejáveis 6.º (79.096 casos/1M) e 7.º lugar (1.607 mortes/1M). O “milagre português” sumira ainda no Verão, com um desconfinamento sempre problemático, e nem se fez lembrado nas fortes vagas a partir de Outubro. A lição tem-nos batido dura.

Muitos gostam de contestar a credibilidade estatística da China, descartando o problema. Porém, numa crise global, os organismos internacionais nunca podem transigir com manipulações grosseiras das estatísticas. E há outras evidências do referencial chinês: Taiwan, Hong Kong, Macau (que conhecemos bem). A China teve sucesso em planos indiscutíveis: não teve mais do que a primeira vaga; não teve qualquer morte Covid de Julho para cá; e foi capaz de conter a crise Covid-19 na província de Hubei, em cuja capital (Wuhan) tudo começou – esta província concentrou 76% do total de casos na China e 97% das mortes. Mesmo separando Hubei, esta província estaria na 111.ª posição mundial (77 mortes/1M) e na 138.ª (1.165 casos/1M). Tivesse Portugal estes indicadores, estaríamos somente com 785 mortos (em vez de 16.351) e 11.856 infectados (em vez de 804.956). A China teve, ainda, crescimento económico: o PIB cresceu 2,3% em 2020. Pouco, mas para cima; em vez de muito, mas para baixo.

O Ocidente foi afectado, a meu ver, pelo que agrego na palavra “negacionismo”, que cobre diferentes modos e alvos de negação. Espreitou por muito lado e enfraqueceu-nos socialmente. É tema para outro texto. É o grande factor de contraste com a China (por razões políticas); mas, em liberdade, a excepção ocidental da Nova Zelândia também impressiona. 

A Europa e as Américas têm muito para aprender. Era o que mais faltava passar por isto e nem sequer ficarmos a saber como e porquê. Aprender é a única coisa boa que fica do mal que sofremos.



José Ribeiro e Castro
Advogado e ex-líder do CDS

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 3.Março.2021

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