Temos deputados a mais?


Há temas que entraram em discussão que são mais sintoma da crise da representação parlamentar do que sinal de que haja problema real na matéria que abordam. Um é a pressão para cortar o número de deputados. Outro, limitar os mandatos. Outro, o foco na abstenção. Outro, enfim, a sugestão do círculo nacional único, medicina para a proporcionalidade.

Podemos agir em todos estes sentidos, mas isso não resolverá problema nenhum. O problema substancial está – todos o sabem – no sistema eleitoral, que favoreceu cavar-se um fosso cada vez maior entre deputados e eleitores. Dos últimos temas tratarei noutro artigo. Hoje, olho à questão do número de deputados.

A revisão constitucional que abriu a pressão para menos deputados é a mesma que abriu a porta a um sistema misto com círculos plurinominais e uninominais complementares (e um círculo nacional), aumentando o poder de escolha dos eleitores e responsabilizando os deputados. Falo da revisão de 1997. Há 24 anos que esperamos por esta promessa da Constituição.

Ora, é por os partidos não fazerem a reforma eleitoral, corrigindo a baixa representatividade, refrescando a legitimidade, libertando a seiva da democracia, que muitos se voltam para reduzir os deputados de 230 para 180, ou menos ainda. O que as pessoas realmente estão a dizer é isto: já que não nos representam, ao menos que sejam poucos. É mais uma expressão do descontentamento.

Porém, se queremos a democracia, temos de ser objectivos; e nada melhor do que comparar. A tabela mostra, por ordem decrescente, o rácio deputado/eleitores nos países da União Europeia, com referência à última eleição realizada. A comparação deve fazer-se entre países de dimensão aproximada: não pode comparar-se Portugal com os países grandes, nem com os pequenos; Portugal pertence aos países médios, com entre seis e 12 milhões de eleitores. Ora, neste grupo, Portugal surge no topo, com um deputado por cada 47.003 eleitores – um rácio muito elevado em qualquer parte do mundo, para países desta dimensão. Acima de Portugal, apenas a Bélgica; e, olhando ao lado, vendo que a Bélgica tem ainda um Senado, com 60 senadores, o rácio agregado baixa para um parlamentar por cada 38.894 eleitores, ou seja, a Bélgica passaria para trás de Portugal e também da Hungria.


Dado mais significativo é o caso da Hungria, único país que, recentemente, fez corte significativo: eram 386 deputados até 2010, passaram a 199. Redução acentuada, sem dúvida. Mas, ainda assim, a Hungria ficou com rácio deputado/eleitores inferior ao português: era de 20.627; subiu para 41.770, muito abaixo do rácio português (47.003).

Podemos reduzir, mas essa não é a prioridade. O problema é soberania popular: mais escolha dos eleitores, mais responsabilidade dos deputados, como ocorre, por exemplo, na Alemanha. 

O Parlamento deve assegurar tripla representação: cidadãos, território, correntes políticas. A redução drástica pode destruí-la, com prejuízos severos os eleitores e o país. Tomemos a proposta do Chega, que defende um corte para 100 deputados. Há que aclarar. Havendo 230, como seria só com 100? Quantos deputados atribuiria o Chega à emigração? Um? Quantos daria a Portalegre, de que tanto diz gostar? Um? Nenhum? Nas Regiões Autónomas como seria? Em Bragança, Guarda, Castelo Branco? Só esclarecendo se pode levar a sério, ou não, as ideias que circulam.

O problema não é o número dos deputados, mas o seu vínculo, o efectivo enquadramento democrático, o reporte de cidadania. Isso é que é preciso. 


José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 31.Março.2021

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