A História como recurso


Cansa ouvir lamúrias medíocres e justificações esfarrapadas para o nosso atraso perante outros países europeus: somos pequenos, somos periféricos, não temos peso, ninguém nos liga, não temos recursos. Tudo falso. Apenas preguiça mental.

Foi a reflectir sobre este carpir nacional, desculpabilizador da incapacidade, que defini, para mim próprio, a teoria dos cinco recursos e uma circunstância, identificando activos fundamentais da nossa existência, construção e crescimento. A circunstância é a Europa, o nosso continente, de que somos não o Sul, mas a varanda ocidental. É com referência a ela, além de nós próprios, que os nossos recursos mais podem ser afirmados, valorizados, potenciados. E os cinco recursos são: as pessoas, o território, a posição geográfica, a língua e a História.

A História é um dos nossos mais preciosos recursos nacionais. Quem andou pelo mundo, sabe-o. No Oriente – de onde, à excepção de pequenas possessões, saímos tão cedo – é muito impressionante senti-lo: a admiração por um pequeno povo que, vindo de tão longe, andou por todo o lado. E há qualidades colectivas que são normalmente saudadas.

Como nossos recursos, a História e a Língua são primas-direitas: a Língua vale o que é graças à História com que viajou; a História mantém-se actual, porque a Língua a traduz, liga e conta. Se fosse língua de apenas 10 milhões, pouco valeria – mesmo para os 10 milhões. Graças à História, vale imenso para todos os quase 300 milhões. Todos os povos destes 300 milhões têm um pé e patrícios na Europa, um pé e patrícios nas Américas, dois pés e patrícios na Ásia, um pé e patrícios na Oceânia, alguns pés e patrícios em África. É um grande capital, um activo fantástico.

Esta História é ditada pelo mar, que é mais de metade do nosso território. Sem mar (ou melhor, sem a ousadia de navegar e ir), seríamos ultraperiféricos, arrumados ao canto, condenados à periferia. Com o mar, libertámo-nos. Redefinimos a nossa própria centralidade, na definição euro-atlântica. Ontem, 27 de Abril, passaram 500 anos sobre a morte de Fernão de Magalhães, o herói da circum-navegação. Entristece não ter sido mais celebrado. Com a sua visão, servido pelas técnica e ciência portuguesas para navegar, mostrou como a Terra é redonda. A volta ao Mundo enterrou a periferia: quem está mais longe de uns está mais perto de outros, e vice-versa. 

Ao olhar o seu passado, ninguém lembra só os dias maus e apaga ou amesquinha os de triunfo e alegria. Não sairia do divã do psiquiatra e, ao fim de mil consultas, continuaria sempre deprimido. Isto mesmo vale para as famílias, grupos humanos, clubes, instituições, os países. Não é que só o bom importe e o mau se ignore. Nada é negado, mas o mau faz parte da memória como facto e registo, enquanto o bom é celebrado como avanço, triunfo, inspiração. O bom também é futuro, o mau que seja passado!

Dentro de poucos anos, Portugal começará a celebrar 900 anos. É um feito raríssimo no Mundo e, para a nossa dimensão, possivelmente uma absoluta improbabilidade para quem nos olhasse no princípio ou a tropeçar nas nossas crises maiores. Temos muito por onde nos guiarmos e animarmos numa História tão longa, tão rica e tão variada.

É esse levantamento que falta fazer, sobretudo para as mais novas gerações, as gerações do nono centenário. Redescobrir no nosso passado o que nos fez como somos, o que nos trouxe até hoje. A mestiçagem por que começámos aqui, no nosso berço europeu. A mestiçagem por que continuámos pelo mundo, juntando-nos e cruzando-nos com outros povos que abraçámos. Uns cresceram portugueses, outros fizeram novas Pátrias irmãs. Os povos ficámos mais fortes. A História mais completa. A Língua mais rica. 


José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 28.Abril.2021

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