O 11 de Março e o terrorismo
Para os da minha geração, o 11 de Março é data associada a um dos sobressaltos da revolução que se seguiu ao 25 de Abril. A nível internacional, o 11 de Março é outra data, a cuja fixação estou associado: o Dia Europeu em Memória das Vítimas do Terrorismo.
Foi em 2004, mercê de uma extraordinária coincidência. No Parlamento Europeu, eu era relator do chamado Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, que dava os primeiros passos. Uma área que me mereceu mais interesse e onde procurei inovar foi quanto à prevenção e ao combate ao terrorismo. Os ataques às Torres Gémeas de Nova Iorque, no 11 de Setembro de 2001, tinham marcado uma mudança dramática: emergia o terrorismo global. O Eurostat mostrava, semestre a semestre, que os europeus punham o terrorismo à cabeça dos temas onde desejavam reforço da acção comum europeia.
Entre as recomendações do meu relatório e proposta de Resolução, incluí o Dia Europeu em Memória das Vítimas do Terrorismo, sugerindo o 11 de Setembro; e acrescentava que a diplomacia europeia se empenhasse em consensualizar, a nível mundial, um Dia Internacional.
Foi ideia que consolidei pelo estudo do problema: a evocação regular, solene, cerimonial, das vítimas do terrorismo é forma não só de as lembrar, mas de criarmos uma consciência moral muito mais forte que erradique de vez este flagelo brutal, cobarde e sanguinário.
Por coincidência, o debate do meu relatório ocorreu, em Estrasburgo, em Março de 2004, e a proposta de Resolução estava agendada para as votações da sessão de 11 de Março. Manhã cedo, estávamos a entrar no plenário do Parlamento Europeu, ao mesmo tempo que chegavam de Madrid notícias terríveis: os ataques à bomba em Atocha e noutros locais, que fariam 193 mortos. Sob este horror, procurei o presidente da Comissão LIBE (que se ocupa de liberdades, justiça e assuntos internos, onde fora preparado o meu relatório), o colega espanhol Jorge Hernández Mollar, no sentido de apresentarmos uma emenda oral, no momento da votação final: a data do Dia Europeu passaria a ser 11 de Março, em atenção aos ataques de Madrid. Ele apresentou a emenda oral como presidente, eu dei acordo como relator. A Resolução foi aprovada. E assim ficou.
Poucos dias depois, a 25 de Março, a habitual Cimeira da Primavera foi transformada em reunião extraordinária sobre o terrorismo, por causa da tragédia de Madrid. Os então 25 Estados-membros tomaram diversas decisões, entre as quais o endosso da proposta do Parlamento Europeu do Dia Europeu em Memória das Vítimas do Terrorismo. Ficou instituído. Começámos a assinalá-lo no 11 de Março do ano seguinte. Há semanas, ocorreu a 17.ª celebração, assinalada pela Comissão Europeia.
A nível mundial, levou mais tempo. Teria ainda várias peripécias. Mas também já está. Fixado pelas Nações Unidas em 2017, assinala-se a cada 21 de Agosto o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Terrorismo.
Os Estados fazem despesas e esforços enormes para garantir a nossa segurança. Os cidadãos suportam restrições e intrusões por imperativos de controlo. Mas o terrorismo continua como se não fosse nada. Movimenta-se, surpreende e ataca. Na Europa, continua a mostrar que anda cá. Em 2020, as vítimas mortais aconteceram em Dresden, Paris, Nice e Viena. Mas é um flagelo mundial, com uma magnitude que desconhecemos por inteiro: na década 2007-2017, no mundo em globo, a média anual de mortos por terrorismo foi de 21.000, com um pico de 45.000 em 2014. Nem fazemos ideia…
Não sou capaz de transigir com esta tragédia continuar enredada em jogos políticos e fragilidades ideológicas e sociais que contribuem para a sua continuação. Não aceito. Acredito que a abordagem vigorosa desta problemática no plano radical dos direitos humanos – tolerância zero – em vez de apenas como problema da política e da segurança dos Estados, secará de vez o terreno que os terroristas pisam e onde se abrigam. Acredito que os momentos solenes celebrados anualmente, em todo o mundo, nos diversos países e fóruns internacionais, terão potente eficácia moral e, a pouco e pouco, farão recuar de vez o terrorismo. Para isso, como era o espírito da proposta, é fundamental retirar estes Dias memoriais da clandestinidade em que os emprateleiram e rodeá-los da projecção e do eco públicos que são absolutamente indispensáveis. Por um mundo sem terror, lembremos sempre as vítimas que o terror matou.
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