A História como esperança
A História é uma narrativa: investigação, estudo, conhecimento, narrativa. Conta-nos factos passados. Ao construir identidades e relações, é um recurso. Desenhando um sentido, um caminho, e afirmando grandes marcos, é esperança. Não falo da História do Futuro do Padre António Vieira, nem enveredo pelos ventos da História. Verifico apenas que tendemos a olhar também a História como fonte de inspiração para o futuro. Se isso que queremos para o futuro é bom e se a inspiração que tiramos da História é boa, então isso é manifestamente um bem: um bem espiritual, um bem social, um bem político. É a História como esperança, fonte dos “nunca mais”, alimento dos “mais além”.
A História portuguesa mostra como a geografia nos colocou numa posição de ponto de encontro e, depois, através do mar, em longos caminhos de encontro por todo o lado. Os encontros geram conflitos, mas também abraços – nós temos ambos. Vi e li na nossa História que os abraços foram mais numerosos e mais fortes do que os conflitos.
Há sectores à esquerda que apreciam mergulhar tardiamente na escravatura e acicatar o racismo. É um erro. Pode ser um crime. Encontrámos a escravatura em África. Participámos nela também, com outros ocidentais, em parceria com os poderosos africanos que a praticavam. Foi uma realidade terrível. O Ocidente acabaria por pôr-lhe termo, pela primeira vez na História da Humanidade. Se aquela esquerda quisesse libertar os escravos, chega com 150 anos de atraso sobre o fim – 250 anos depois de termos começado a abolição. São “libertadores” fora de tempo. Portugal foi dos primeiros a abolir, embora dos últimos a acabar. Quanto ao racismo, desenvolvemos uma cultura de coesão interétnica largamente dominante. Deve ser saudada, guardada, levada mais longe. Tem que ser sempre praticada. Nos marcos da abolição da escravatura, temos vários pilares do “nunca mais”. Nas evidências de integração, temos exemplos e chamadas para “mais além”, honrando o lusotropicalismo. Há muito a fazer pela coesão interétnica.
No plano internacional, a História africana de Portugal tem coisas extraordinárias. Anteontem, 3 de Maio, passaram 530 anos sobre o baptismo do rei do Congo, o rei Monimocanimi. Adoptou o nome de D. João, em atenção a D. João II. Estávamos em 1491. Diogo Cão tinha lá chegado oito anos antes, iniciando uma estreita relação entre os reis de Portugal e do Congo. Também houve diplomacia intensa com o Ndongo, não só no reinado da rainha N'Jinga. Além das relações diplomáticas com Portugal, incluindo no tempo dos Filipes, espanta como, através de Portugal, os reinos do Congo e do Ndongo, nos séculos XVI e XVII, foram ao ponto de enviar embaixadas a Roma, ao Papa. D. António Manuel, marquês de Vunta, embaixador do reino do Congo, reuniu com o Papa Paulo V, em Roma, em 1608, falecendo pouco depois. Foi o primeiro embaixador de Angola junto da Santa Sé. Foi sepultado com alto cerimonial na Basílica de Santa Maria Maior, onde está o seu túmulo e busto. Reinava D. Afonso II, de nome africano Mpangu-a-Nimi Lukeni lua Mvemba. No final do século XVII, já depois da Restauração, em 1694, veio ser baptizado em Lisboa, com grande pompa, o príncipe Batonto, da Guiné, filho de Bacampolo Có, rei da Ilha de Bissau. Sendo padrinho o rei D. Pedro II, Batonto tomou o nome de D. Manuel de Portugal. O Tratado de Simulambuco, no final do séc. XIX, merece também reflexão pelo significado único que assumiu para os povos de Cabinda.
Os sinais deste tipo merecem ser mais estudados, divulgados e conhecidos. Quando as relações euro-africanas assentam e só podem desenvolver-se em espírito de parceria, aquela História mostra um modelo de relação muito diferente do que viria a ser imposto pela Conferência de Berlim, a que não sobreviveu sequer um século. Percebe-se porquê.
A esperança só cresce com respeito mútuo, na sua História e na sua cultura.
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