O problema é mesmo o cessar-fogo


São brutais as notícias uma vez mais da faixa de Gaza e de Israel. São imagens marcadas com o selo terrível da guerra – pior: com o selo atroz e cego da guerra urbana. Se a guerra é sempre realidade terrível que acelera morte e destruição em acção/reacção consecutivas, o quadro atinge o grau máximo da estupidez humana em cenário urbano. Vimo-lo várias vezes nesta faixa de Gaza, no Líbano, na Síria dos últimos anos, em cidades dos Balcãs na implosão da Jugoslávia, em bombardeamentos da II Guerra Mundial.

A guerra urbana é especialmente devastadora: os bairros deixam de ser espaço familiar e seguro, as nossas casas tornam-se armadilhas onde podemos ser atingidos a qualquer altura. Não há distinção entre culpados e inocentes, soldados e civis, atacantes e fugitivos, homens e mulheres, velhos e crianças. A morte espreita todos pela janela, pelo telhado, ao dobrar de uma esquina. A guerra na cidade é um horror. Sempre. A questão principal, portanto, é: porquê outra vez?

Anteontem, no Público, Rui Tavares perguntava: “Como começou o actual conflito israelo-palestiniano?” E avançava cinco hipóteses. Os protestos palestinianos contra o despejo de famílias árabes? Os confrontos, a seguir, entre colonos israelitas e moradores do bairro predominantemente palestiniano? O envio pelo governo israelita de milhares de polícias para a Mesquita de Al Aqsa? O lançamento pelo Hamas, como retaliação, de centenas de mísseis sobre Jerusalém, a partir da faixa de Gaza? A resposta militar israelita com artilharia pesada e a destruição de edifícios?

A resposta é: ao lançar mísseis a partir de Gaza sobre Israel e Jerusalém, o Hamas desencadeou mais esta guerra. Provocou a inevitável resposta militar israelita. Gerou um moto-contínuo enfurecido. Se o Hamas não tivesse passado um conflito civil e social sério para o patamar da guerra, não teríamos esta guerra. Usar a faixa de Gaza como base para atacar Israel é fazê-la alvo da resposta militar. Todos estão fartos de saber. Por isso, a única resposta é o cessar-fogo. Cessar-fogo é a urgência imperativa. Parem de disparar!

Em Julho de 2010, era Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros, quando recebemos o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Manuchehr Mottaki. No fim de longo diálogo com deputados de todos os grupos políticos e comigo, pensei que o iria embaraçar com uma última questão sobre a existência do Estado de Israel e ser uma ameaça à paz defender-se o seu desaparecimento. Sem o menor embaraço, o ministro enunciou, com crueza e fluidez, a posição de que a existência de Israel provoca a guerra e, portanto, a paz só será possível quando Israel sair do mapa.

11 anos depois desse encontro, já não me surpreendeu de todo ler, há dias, sobre esta guerra actual, o ayatollah Ali Khamenei, Guia Supremo do Irão, contar como vê Israel: “não é bem um país, mas uma base terrorista”.

O Hamas a Sul (como o Hezzbolah a Norte) age como instrumento do regime iraniano e dos extremistas no terreno ou ao telecomando. Só uma política guiada pela destruição de Israel explica loucuras criminosas que recaem sobre o povo, instrumentalizado como carne para canhão, alimento de propaganda. É assim desde a primeira guerra em 1948: quebra e falha de cessar-fogo.

Só o cessar-fogo pode dar espaço à paz e à justiça. Só a renúncia aos mísseis, aos foguetes, ao terrorismo, às bombas pode abrir portas ao diálogo e permitir-lhe florescer, para cuidar do que precisa de ser tratado e resolvido. Há muita gente no mundo disposta a ajudar. Mas é preciso dar-lhes espaço e tempo. Se o Hamas parar de disparar sobre Israel e declarar essa vontade, Israel fará certamente o mesmo. As populações que vivem nas zonas-alvo deixarão de ser fustigadas. Não é tudo, mas é o começo de tudo o resto.

Precisamos de duas gerações de paz. Cessar-fogo urgente é um cessar-fogo para 50 anos.


José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 19.Maio.2021


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