A década decisiva


Quanto a fundos europeus, a questão, 35 anos após a adesão, é esta: 120 mil milhões de euros depois, como está Portugal? Comparando com os outros, estamos melhor? Ou pior?

Há 22 anos, discutia-se o QCA III, o quarto pacote de fundos de que beneficiámos desde 1986. Cada pacote era grande festim: ocupava todo o palco, gerava manchetes qual montra de guloseimas. A imprensa titulava quantos milhões Portugal recebia por dia. O banquete soava como a razão real da adesão. Foi o que me levou a concluir que Portugal cultivava uma visão mamífera da Europa. Coisa poucochinha.

O governo advertia que seria o último. Nunca percebi a abordagem: pelas regras fixadas, Portugal faria jus aos fundos enquanto precisasse. E assim foi. O QCA III seria o último, mas mudou de nome: entrou-se na geração dos QREN, de que estamos no terceiro. O que pensava – e mantenho – é que devíamos libertar-nos da dependência, assumirmos o propósito de passarmos a contribuintes líquidos, isto é, ser parte dos países mais ricos da UE. Sempre pensei assim.

Como é que isso se faz? Crescimento económico! Nós temos de crescer sempre mais que a média europeia, para avançarmos, ano após ano, para os lugares da frente.

Na altura, era ministra Elisa Ferreira, hoje comissária europeia nesta área. Acaba de dizer algo certíssimo: Portugal deve concentrar-se em deixar de ser um país da coesão – é penoso ver que Portugal, com estes anos todos de apoio, ainda está entre os países atrasados.” Provavelmente já estávamos de acordo há 20 anos. É assim mesmo. Se não o conseguirmos até 2030, o fracasso é monumental. Será o desperdício da bazuca e de tudo o mais de que se engalanam as manchetes e a propaganda.

Quando do grande alargamento da UE em 2004, fiz esta previsão melancólica: “Vamos passar de 15º em 15 membros, para 25º em 25 e, a seguir, 27º em 27.” Isto, claro, se não mudarmos de propósito. Não temos mudado. Por isso, muitos mil milhões depois, vamos sendo ultrapassados, um a um, pelos novos: hoje, já disputamos o 21º/22º lugares em 27 membros e vê-se no horizonte descairmos para 24º em 2025. Abel Mateus, hoje na SEDES, é quem mais tem estudado, escrito e intervindo a este respeito.

Com este histórico concreto, é desolador olhar para o futuro e perder a alegria e a esperança que o investimento europeu devia gerar. Por que somos tão complacentes? Digamo-lo com todas as letras: por que somos tão incompetentes?

Aceita-se, justifica-se, recebermos tantos milhares de milhões e piorarmos de posição relativa? Há dias, soube-se que o nosso PIB em paridade de poder de compra é 77% da média da UE – o nivelzinho habitual entre sofrível e medíocre. Já nem vou buscar o caso da Irlanda (211%); mas o que nos impede de chegar ao nível da Dinamarca (136%) ou lá perto?

A ambição e o propósito são essenciais. A explicação a que cheguei para tantos anos consecutivos de fracasso nacional no crescimento económico é a de os líderes políticos nunca se comprometerem com metas concretas a este respeito. Fogem; e ninguém realmente os aperta. Precisamos que se comprometam com crescimentos de 4% ao ano ou mais. Só se tiverem de comprometer-se com metas assim, irão esforçar-se por definir as políticas capazes de as atingir. E, a seguir, irão esforçar-se por aplicá-las – e melhorar ainda.

Conheço a resposta: “Ah! Nunca nenhum o fará.” Tem sido assim, na verdade. Por isso, estamos onde estamos. É até frequente ouvir quem admire o político por ser tão “espertalhão” que se escapa sempre sem se comprometer. Ele será “espertalhão”, mas nós seremos totalmente destituídos de inteligência e de noção das prioridades se o deixarmos continuar a agir assim. Seremos todos burros se não exigirmos.

Precisamos de políticos que se comprometam com o crescimento em termos concretos, efectivos, quantificados. Que se esgadanhem por o conseguir. Que aceitem ser escrutinados por esta meta essencial para Portugal. Menos do que isto não presta.

José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 23.Junho.2021

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