Então, e eles?
Há anos que me interesso pela crise de natalidade. É um dos problemas mais sérios deste século. Um problema acentuado no Ocidente, mas que rola em todo o mundo. Não tem a ver com o reajuste das taxas de natalidade, depois de superarmos quadros sanitários muito precários, em que a mortalidade infantil era altíssima.
Hoje, a quebra da natalidade vai muito além de um “reajuste” demográfico, pela acentuada melhoria sanitária: está bastante abaixo do Índice Sintético de Fecundidade (IPS) de 2,1, que assegura a substituição natural das gerações, isto é, nem crescimento, nem quebra da população, permanecer tal qual. O IPS é o principal indicador, medindo quantos filhos há, em média, por mulher em idade fértil. Em Portugal, caiu de 3,00 em 1970 para 1,42 em 2019. Somos dos piores na Europa.
O problema para que chamo a atenção é a necessidade de o tratamento da questão mudar, se queremos dirigir-nos ao problema e contribuir para a sua superação.
O jeito corrente coloca a pressão social exclusivamente sobre a mulher. Isto resulta em parte, é verdade, dos indicadores estatísticos seguidos, que estarão cientificamente correctos. Mas a apresentação social das estatísticas e dos estudos pode ponderar a realidade humana. E não o faz.
Sem referir os jornais, cito alguns títulos dos últimos anos: “Dados do Eurostat mostram que, em 2016, a maioria das mulheres portuguesas teve filhos apenas depois dos 30 anos”; “Portugal, em 2017, tem a sexta maior taxa de mulheres que são mães pela primeira vez depois dos 40 anos (4,3%)”; “Mulheres portuguesas têm filhos mais tarde. Maioria só tem um”; “Mulheres portuguesas têm cada vez menos filhos”; “Mais de 40% das portuguesas em idade fértil não têm filhos.” Nesta fotografia, não há pais.
Quem lê estes títulos acumula a ideia de a quebra da natalidade ser um problema das mulheres – ou mesmo de o problema estar nas mulheres. Não é verdade: não há filhos sem mães, não há filhos sem pais. Se os homens não forem questionados em geral ou não se questionarem a si próprios sobre quantos filhos querem ter e quantos têm, não melhoraremos. A responsabilidade é comum.
Ecoar, escutar e interpretar o discurso estatístico e demográfico como questão feminina é representar a mulher como estando só diante da maternidade, “mãe solteira”, contando apenas consigo. E, numa representação social de “mães solteiras”, estas já fazem imenso quando, sozinhas, têm um único filho. Um IPS péssimo de 1,42 (ou de 1,21, como tivemos em 2013), até pode parecer menos mau.
Felizmente, já há abordagens mais integradas em Portugal, como os estudos da Fundação Francisco Manuel dos Santos. O site NASCER EM PORTUGAL apresenta, par a par, estatísticas de fecundidade e de natalidade para homens e mulheres. Os dados até são animadores: as perspectivas do número médio de filhos esperado (0, 1, 2 ou 3+ filhos) são praticamente iguais entre eles e elas. Mas as diferenças surgem quanto ao número médio de filhos que se tem e, sobretudo, são acentuadas quando comparam o que têm com o que esperariam. Só 9% dos homens e 7% das mulheres esperariam não ter filho nenhum; mas são 45% dos homens e 35% das mulheres que não têm filhos. Do outro lado, 14% ou 15% esperavam ter três ou mais filhos; mas apenas 3% os têm, quer eles, quer elas.
Para vencer socialmente este défice entre, de um lado, a disponibilidade e a expectativa positiva e, do outro, a realidade acontecida a eles e elas, temos de contar com pais, não só com mães. Não há fecundidade, nem natalidade sem ambos. Assim como tudo o que se segue nos projectos de vida que entre si constroem. É a ambos que importa chamar; e é a ambos que há que transmitir confiança, o mais forte ingrediente do futuro.
José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 2.Junho.2021
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