O banco, a messe e a bazuca
Vamos ao banco para diversos fins: depositar o fruto do trabalho, aplicar rendimentos de bens ou capitais, gerir poupança, receber algo, pedir emprestado, pagar dívidas ou renegociá-las, e por aí fora. Nem sempre é bom. Podemos definir esta regra: ir ao banco é bom quando guardamos poder sobre ele; é mau quando é o banco que aumenta poder sobre nós.
Se Portugal vai ao banco buscar os fundos comunitários, a questão põe-se. Que vamos fazer com os milhões? É certo que os gastaremos. Mas para fazer o quê e com que frutos?
Impressiona que, ao fim de 35 anos de fundos comunitários, continuemos a atrasar-nos face aos parceiros recentes. Passam-nos um a um: Malta, Chipre, Eslovénia, República Checa, Estónia, Lituânia, Polónia… A Eslováquia já nos pisa, a Hungria vem atrás. A mais três anos de vista, também Roménia e Letónia nos passarão. Se não mudarmos de vida, de modelo, de paradigma, Grécia (outra vez), Croácia e até Bulgária ficarão à frente antes de a década acabar. Seremos de novo o último. O que sabem eles que nós não há meio de aprendermos?
Nos primeiros 25 anos da adesão, recebemos, em média, nove milhões de euros por dia, todos os dias desses 25 anos. Nos últimos dez, um pouco mais de nove milhões ao dia. E, nos próximos sete, no conjunto dos vários fundos europeus (para além da “bazuca”) poderemos receber mais de 20 milhões por dia. É muito milhão para irmos parar ao último lugar. Seria gigantesco fracasso. Prémio Nobel da Incompetência!
É evidente que o governo sabe isto – muito melhor do que eu. O essencial é que faça completamente diferente do passado e consiga que a ida ao banco tenha efeito reprodutivo na economia. O fundamental é que seja o motor que nos leve a ultrapassar quem nos passou e a galgar para os primeiros lugares da UE.
Não devemos pensar pequenino. Com tantos milhões, só podemos ser ambiciosos e exigentes. Para o governo fazer aquilo de que precisamos, temos de ser muito exigentes sobre quem governe. Só assim contribuiremos para o êxito nacional de que todos beneficiaremos. Se quisermos apenas apanhar alguma migalha da diária dos milhões, estaremos a deixar-nos comprar e a contribuir também para o desastre. Também foi assim no passado.
Na tropa, conta-se uma graça sobre as “messes”, as salas de refeições dos militares. A pergunta é: na messe, quais são as melhores mesas? A resposta é: são as mesas ao pé da porta da cozinha. Porquê? Porque são aquelas onde as travessas passam ainda cheias.
Na gestão dos fundos, isto aconteceu. Houve grupos e sectores que se chegaram à porta do banco, exercendo influência e poder na captura de volumes significativos de recursos para os seus interesses, não os do país. Obra pública e energia, outras áreas ainda, usaram muito dinheiro mal aplicado: gastou-se e não se desenvolveu. Algum desse dinheiro europeu mal gasto também arrastou recursos nacionais e ainda gerou mais dívida para o Estado e o país. Pior: algum desse dinheiro, sabemo-lo hoje, alimentou circuitos da corrupção. Tudo aspectos que não podem repetir-se, para Portugal ter sucesso.
Quando era criança, era muito popular uma pastilha elástica de marca “Bazooka”. Não era grande coisa, devo dizer. Tinha um sabor sintético indefinido, entre morango e framboesa. Mas era muito popular. Era vendida individualmente e barato: salvo erro, cada uma custava 0$50 (cinco tostões). Em conversão directa para a moeda de hoje, isto seria ¼ de cêntimo de euro. Um euro daria para comprar 400 pastilhas. Os meus olhos brilham de ideação e prazer ao imaginar milhões de “Bazookas” com poucos milhares de euros.
A imaginação é instrutiva. Primeiro, expõe a estupidez inútil de gastar esses euros em pastilhas. Segundo, mostra o perigo da tentação de alguém, guloso, correr ao banco atrás dos milhões. Seria trágico para Portugal que a glosada bazuca fosse, não o choque energético que quer mostrar-se, mas, afinal, não mais que pastilha elástica. Mastiga-se, deita-se fora e fica tudo igual. Mesmo aplicando muitas é sempre igual: mastiga-se, deita-se fora, tudo na mesma. Ou seja, gastamos e não avançamos. Caminhamos para o fundo.
Precisamos de muito melhor. Precisamos de mostrar, desde o primeiro dia, que conhecemos todos os erros do passado, aprendemos com eles e vamos fazer diferente. Só isso nos fará triunfar. E precisamos muito de triunfar.
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