Olivença, a improvável
Há 11 anos que me envolvi nos caminhos de Olivença. Apaixonei-me: património raro e notável de traça portuguesa; actividade cultural invulgar em terras desta dimensão; população amável e hospitaleira.
O que lá se tem desenvolvido seria certamente declarado “improvável”, senão “impossível”, na definitiva voz grave dos sabichões cépticos. Mas estes anos dariam razão a Galileu, se, olhando esta Olivença dos nossos dias, dissesse: “E pur si muove!” Olivença move-se – e nós com ela.
Conhecemos Olivença quase que somente pela disputa entre Espanha e Portugal desde 1801. Mas olhemos para nós próprios: temos cuidado pouco de a conhecer e realmente amar. Olivença é muito mais do que o histórico diferendo jurídico e político; e os oliventinos merecem mais. A sensibilidade do tema para os dois Estados vizinhos gera dificuldades naturais e, às vezes, até assombrações. Por isso, desafiando o improvável, tem valido a pena, a partir da cidadania e da sociedade civil, ver que o impossível é, afinal, possível.
Este trabalho não espera que Espanha se renda, nem que Portugal se ajoelhe. Toma em conta a constância das posições dos dois Estados – que não visa modificar, nem nisso se intromete – e visa promover o desenvolvimento específico de Olivença assente também na valorização cultural e económica de um estatuto absolutamente singular. Impossível? Não. A experiência fala e mostra.
Hoje, já não existe a associação “Além-Guadiana”, que conheci em 2010 e com que comecei a trabalhar, ainda deputado. Os seus principais activistas continuam no terreno a impulsionar a Olivença do futuro, a partir do discurso estruturado sobre a biculturalidade. A ideia cresceu e ficou – para irritação apenas dos poucos cativos da raiva e do passado. O Município tem tomado papel liderante, com Alcaldes do PSOE (até 2011 e desde 2015) e do PP (em 2011/15). Mais, com grande amplitude política: em 2012, quando a “Além Guadiana” anunciou que íamos abrir a gestão dos processos de nacionalidade portuguesa aos oliventinos que a quisessem, o anúncio foi feito, na rua, num “Lusofonias”, perante o Alcalde e os consejales de todos os partidos, que aplaudiram a notícia. Superadas dúvidas processuais, os primeiros 100 novos portugueses receberam as certidões em 2014, cartões de cidadão em 2015. Hoje, são já 1300 os que receberam a nacionalidade portuguesa por Olivença ser a sua terra, quase todos num quadro de dupla nacionalidade.
Participei em várias acções sobre cultura e língua portuguesa (incluindo o português oliventino). Houve Dia de Olivença na Feira do Livro de Lisboa. A primeira edição do Prémio Literário UCCLA foi lá apresentada, no primeiro 10 de Junho, com o autor João Azambuja. Os Descobrimentos são menção quase constante, nomeadamente ao Brasil, em virtude de Frei Henrique de Coimbra, que acompanhou Cabral no “achamento” e seria Bispo de Ceuta e Olivença. No ambiente belíssimo da Igreja da Madalena, segundo templo manuelino mais belo a seguir aos Jerónimos, já celebrámos a missa em português, em ocasiões solenes de 2017 e 2018, a segunda transmitida pela TVI – há uma terceira em preparação A lusofonia está ali sempre presente, com realce para a UCCLA, onde Olivença foi admitida em 2019, em candidatura acarinhada pelo secretário-geral Vítor Ramalho, homem de coração e de visão. Com participação de jovens e crianças, os 10 de Junho, com a presença da Junta da Extremadura, têm sido um marco desde 2016, acrescentando, todos os anos, mais uma ou outra pedra à calçada do futuro que ali é tecida. Aí cantaram corais alentejanos e o “Alma de Coimbra”. Aí se evocaram grandes portugueses de Olivença, como Frei Henrique, o filósofo Sebastião do Couto e o grande músico Vicente Lusitano. Em 2021, a referência foi Manuel Alegre, poeta e cidadão, homenageado com foco no seu “As Naus de Verde Pinho” e que deixou um discurso marcante.
Foi outro poeta, António Machado, espanhol, quem descreveu bem como é a rota do possível: “se hace camino al andar”. O caminho faz-se, caminhando.
José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 16.Junho.2021
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