Carrascos, mordomos e farsantes
Salvo um caso em curso, que enxovalha a memória do país e a nossa dignidade enquanto povo, não conheço, em toda a história da Educação em Portugal, que alguma vez um Ministério desenvolvesse uma sanha persecutória ao ponto de reprovar crianças para punir os pais pelas suas convicções e agredir essas crianças na sua consciência e formação. Se me dissessem que, aqui, era possível um tal atrevimento totalitário, eu diria que não.
Gostava de saber. Num caso em que os pais rejeitassem ter os filhos sujeitos a doutrinações contrárias à sua consciência, gostava de saber se, em toda a Monarquia Constitucional, na I República, na Ditadura Nacional, no Estado Novo, nalgum governo a seguir ao 25 de Abril, incluindo os revolucionários e os constitucionais, algum ministro ou secretário de Estado se transbordou de autoritarismo ou algum reitor ou director escolar se armou de carrasco ou mordomo para perseguirem e discriminarem essa família, indo ao extremo de reprovarem consecutivamente as crianças até as fazer vergar a cerviz e morder o pó. Gostava de saber se alguma vez aconteceu, para conhecer os nomes desses monstros, saber a história desses perseguidores e deles poder traçar a linhagem até aos actuais ministro Tiago Brandão Rodrigues, secretário de Estado João Costa e director Carlos Teixeira do Agrupamento de Escolas Camilo Castelo Branco, em Vila Nova de Famalicão.
A semana passada terminou com a notícia de Tiago e Rafael, alunos brilhantes, com altas classificações e comportamento exemplar, ao terminarem o 7º e o 9º ano de escolaridade naquele agrupamento, terem recebido uma medida administrativa de reprovação, sendo barrados de transitar de ano. Em completa insanidade e exagero de violência administrativa, foi repetida a dose de há um ano.
Em que mundo e em que tempo vivemos? Vamos ver.
Os pais têm o direito e o dever de educação dos filhos. Incumbe ao Estado para protecção da família cooperar com os pais na educação dos filhos. Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação. A liberdade de consciência é inviolável. Ninguém pode ser perseguido [ou] privado de direitos por causa das suas convicções. É garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei. O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas. Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias. Todas estas normas estão na Constituição.
Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua família. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade. Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento [e] de consciência. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos. Estas proclamações estão na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Pode ler estes textos, a partir das ligações que, o Ministério da Educação exibe no portal de Documentos de referência da Educação para a Cidadania, enquanto os atropela e viola com total despudor e impunidade. É o reino hipócrita dos farsantes.
Por isso, faz corar e indigna conhecer a Convenção sobre os Direitos da Criança, a partir do mesmo portal: Nenhuma criança pode ser sujeita a intromissões arbitrárias ou ilegais na sua família. A criança tem direito à protecção da lei contra tais intromissões ou ofensas. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais. Os Estados asseguram assistência adequada aos pais no exercício da responsabilidade que lhes cabe de educar a criança. Os Estados tomam as medidas adequadas para velar por que a disciplina escolar seja assegurada de forma compatível com a dignidade humana da criança.
Num Estado de direito, bastaria isto. Pintem a cara de preto.
José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 7.Julho.2021
Comentários
Enviar um comentário