Obrigado, Pichardo
A medalha de ouro do atleta português Pedro Pablo Pichardo em Tóquio, triunfando de forma categórica no triplo salto, gerou animado debate. Porquê? Porque Pichardo não nasceu português; é naturalizado. Ao que se somou o picante político de Pichardo ser cubano e um dissidente desportivo do regime de Fidel Castro.
Este foi o motivo para um dos ataques mais infelizes que lhe foi feito. Soube-o, nas redes sociais, por um amigo, João Pedro Dias, aveirense, democrata, personalista. Miguel Viegas, professor auxiliar da Universidade de Aveiro, cabeça-de-lista pelo PCP nas eleições autárquicas de Aveiro, atingiu os patamares inferiores da baixeza no seu Facebook, Página Miguel Viegas. Logo a seguir à vitória de Pichardo, escreveu assim: “Mérito do atleta que treinou, da escola que o criou e do clube que o comprou! Mas esta não é seguramente uma medalha 100% portuguesa!” Dias antes, assinalara o novo feito de Fernando Pimenta na canoagem (K1 1000): “Uma medalha 100% portuguesa!” E, ao final do mesmo dia, também na canoagem, vibrou com a vitória de uma dupla cubana, em C2 1000: “Cuba vencerá!” Com isto, ficou tudo dito.
Miguel Viegas, em Abril, já atacara a Universidade de Aveiro de “anti comunismo primário”, por ter colocado no exterior um pedaço do Muro de Berlim. Agora, entrou pelos Jogos de Tóquio como guarda avançada do regime comunista de Cuba. Merecidamente fustigado na sua página, viria refugiar-se, depois, numa alegada crítica à política desportiva. É desculpa tola, pois Pichardo, todos o sabem, não é um “campeão pronto-a-vestir” recrutado – tem uma história pessoal e desportiva credora do maior respeito ético e social. Não há nada de errado, aliás, em atrair selectivamente técnicos e atletas para ajudar ao desenvolvimento de certas modalidades, ensinando e puxando por outros. É linha que pode seguir-se (e sempre se seguiu), desde que não para fins de propaganda, nem de forma excessiva, antes limitada, nem prejudicando a educação e formação desportivas da juventude. D. Dinis também foi buscar um Almirante genovês para criar a nossa Marinha.
Mas este não é sequer o caso de Pichardo. E o pensamento real de Miguel Viegas gera mais dúvidas, ao não ter uma só palavra para as medalhas, brilhantes, de Jorge Fonseca e Patrícia Mamona, dois grandes nomes actuais do desporto nacional. Não nos elucidou sobre a percentagem de portugalidade que atribui aos títulos de ambos. O que são êxitos “100% portugueses”? Que efeitos pretende tirar disso? E, quanto aos atletas que não atingem as medalhas, que bitola tem para eles? Terão os candidatos a medalha que apresentar “cadastro étnico-racial” (de que falou André Ventura), acrescentando ainda (na versão Viegas/PCP) um certificado ideológico, para aferir do grau percentual de portugalidade a atribuir aos êxitos de cada um? Coisa pobre… medíocre… confrangedora…
O foco em Pichardo como originário de outro país é despropositado. Para mais, atingindo alguém que tem tido comportamento exemplar, como soube confirmar neste contexto sensível, exigente e de forte exposição. Na equipa olímpica que nos representou em Tóquio, havia 19 atletas que não nasceram em Portugal: quatro em Cuba, três no Brasil, dois na China e ainda naturais de Cabo Verde, Camarões, Congo, Costa do Marfim, EUA, França, Geórgia, São Tomé e Príncipe, Suíça e Ucrânia. Nestes, há alguns casos de emigração portuguesa, mas a maioria é como Pichardo: estrangeiros que escolheram Portugal para seu país. São milhares os que o fazem todos os anos, por razões da sua própria vida e nos termos das nossas leis. No futebol, já houve vários casos. Nada de novo. O problema de Pichardo foi ganhar a medalha de oiro.
Para ele, só há duas palavras: obrigado, parabéns. Tudo o que vá além ou fique aquém da gratidão e do aplauso a Pichardo, é muito mau exemplo. Muito inferior ao exemplo que nos deu.
José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 11.Agosto.2021
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