Otelo, as FP-25 e o 11 de Março


Não falo do “nosso” 11 de Março, o golpe e o contra-golpe que, em 1975, desencadearam a aceleração do PREC, a fase mais crítica da revolução. É outro 11 de Março, mais brutal, de memória mais forte, acontecido quase 30 anos depois. Uma memória a que estou ligado e sobre que continuo a trabalhar.

No Parlamento Europeu, uma das matérias de que me ocupei foi o terrorismo. Logo em 2001, o 11 de Setembro fê-lo galgar para patamar ímpar. Na Europa, tínhamos o terrorismo de causas nacionalistas (ETA, no País Basco, e IRA, na Irlanda do Norte) ou movimentos revolucionários vermelhos (Action Directe, Baader-Meinhof, GRAPO, Brigate Rosse, em França, Alemanha, Espanha e Itália) – as “nossas” Forças Populares 25 de Abril (FP-25) são desta última família. O mundo muçulmano vira-o crescer desde os anos 1960, muito ligado ao conflito israelo-árabe. A América Latina tinha vários grupos apoiados por Cuba. Na Ásia e África, também havia. O fenómeno era mundial e, de contextos locais, galgou para ameaça global na viragem do século.

Surpreende-me sempre que, sendo tão horríveis os horrores que comete, o mundo e a opinião pública, sendo civilizados, não consigam erradicá-lo. Não fazemos ideia: em 2019, o terrorismo matou 13 286 pessoas no mundo! – o número mais “baixo” desde 2011.

Desenvolvi a tese de que é assim por duas razões: primeiro, porque olhamos o terrorismo como questão de segurança do Estado e não como ataque aos direitos humanos; segundo, porque, apesar das declarações, estas são superficiais e, na verdade, não ilegitimámos o terrorismo. Mantenho esta tese e nela acredito cada vez mais. As duas razões entreligam-se: ao olharmos o terrorismo no ângulo do Estado e da segurança, desenvolvemos uma abordagem política; e, ao fazê-lo, caímos facilmente na armadilha de assumirmos partido. Mau terrorismo é só o que é contra nós ou contra os da nossa simpatia; o outro tem “explicação”, até “justificação”. Em suma, o terrorismo sobrevive, porque toma banho no caos moral.

Foi esta a razão por que fiz esta proposta ao plenário do Parlamento Europeu: “[O Parlamento Europeu] Manifesta o seu apoio e a sua solidariedade para com as vítimas do terrorismo e respectivos familiares, bem como com as organizações e grupos que lhes prestam auxílio. Por conseguinte, recomenda que a União Europeia tome a iniciativa, a nível mundial, de instituir um dia internacional das vítimas do terrorismo e, nesse sentido, solicita à Comissão Europeia que transmita ao Conselho (…) a proposta de fixação desde já de um dia europeu em memória das vítimas do terrorismo e propõe como data para a sua celebração o dia 11 de Setembro.” Por coincidência, a proposta foi votada em 11 de Março de 2004, ao mesmo tempo que Madrid sofria terríveis atentados à bomba. Logo propus que o dia fixado fosse 11 de Março. Foi aprovado. Dias depois, ficou consagrado como Dia Europeu em Memória das Vítimas do Terrorismo. E, após várias peripécias, a ONU também já instituiu o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Terrorismo (21 de Agosto).

Foco humanitário nas vítimas, unicamente nas vítimas e suas famílias! É do que precisamos para erradicar o flagelo. Não há terrorismo aceitável, nem que mereça transigência. Tolerância zero.

Os dias que sucederam à morte de Otelo confirmam a intensidade deste problema moral e político. Houve muitos a tentar ignorar as FP-25, desmerecer o que foram e apagar as suas vítimas. Como se o “25 de Abril” feito nome abusivo de um grupo terrorista ou o passado inicial do seu patrono fossem desculpa e escudo protector.

Há que acabar com isto: não há terrorismo de esquerda e de direita. Seja o Padre Max, os assassinados pelas FP-25, ou quaisquer outros, há terrorismo execrável. Ponto final.


José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 4.Agosto.2021

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