Foi você que pediu um novo sistema eleitoral?
Quando alguém preocupado com Portugal se pronuncia sobre estrangulamentos existentes, é inevitável o sistema eleitoral vir à baila. A crise profunda não escapa a ninguém.
Francisco Pinto Balsemão, na evocação dos seus governos, associada ao lançamento das suas memórias, não poupou na inquietação: “como estamos, com a democracia que temos no presente, não conseguiremos transpô-la, adaptá-la, mantê-la viva e actuante no futuro.” Criticou as “eternas e suicidariamente adiadas revisões da lei eleitoral portuguesa.” Apontou o dedo: “O que se nota é uma falta de crença na representatividade do sistema, incluindo os partidos e as próprias eleições.” Porém, rematou mal: “Mas, até agora, não surge alternativa.”
A alternativa está na Constituição desde 1997. Basta ler o artigo 149.º e, a seguir, avançar pelas portas que abriu e os caminhos que apontou: um sistema misto com círculos plurinominais e uninominais e um círculo nacional, que permita aos eleitores escolher deputados, e não só partidos, reforçando ao mesmo tempo a proporcionalidade. Esta é a alternativa que resgata a democracia em decadência, ao restituí-la à cidadania e gerar motivação para votar e restituída confiança.
A Assembleia da República chegou a discuti-la, em 1998, sobre propostas do governo PS e do PSD; mas, entornado o debate por uma zaragata extemporânea em torno do corte do número de deputados, a questão jaz enterrada pelos aparelhos partidários, que resistem a largar a zona de conforto de um sistema degradado onde têm todo o poder de escolha.
O projecto em que trabalho no quadro da SEDES e da APDQ visa voltar a abrir esse caminho, o que, já se viu, só será possível se a cidadania se levantar e a sociedade civil se mobilizar a sério. Há crescentes razões para isso.
Primeiro, a necessidade é cada vez mais evidente. Quem quer continuar com campanhas eleitorais reduzidas aos líderes com as câmaras de televisão atrás? Quem quer um sistema em que quase todos os candidatos são reduzidos a manequins da Rua dos Fanqueiros? Quem quer um sistema de legitimidade continuamente golpeada que afasta os eleitores?
Segundo, o acerto da linha constitucional é evidente. Ao longo de todo o ano de 2019, o projecto de lei que, por uma petição, tivemos no Parlamento provou o acerto conceptual e reformista: nenhum partido é prejudicado e os eleitores ganham o poder que nunca devia ter-lhes sido furtado. Agora, após apresentarmos uma proposta de desenho dos 105 círculos uninominais, temos diante dos olhos o quadro em que poderemos escolher os nossos deputados e influenciaremos todos os outros, sem beliscar (antes fortalecendo) a proporcionalidade da representação.
A alternativa está aí. Não desvalorizemos a oportunidade, nem a urgência. Esta reforma é condição para tudo o resto. Numa frase atribuída a Einstein, “insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”. Nem é preciso ser um Einstein para entender isto.
Quer uma democracia de qualidade? Quer deputados que respondam mesmo perante si? O caminho está nas nossas mãos. E na nossa voz.
José Ribeiro e Castro
Presidente da APDQ - Associação por uma Democracia de Qualidade, advogado
NOVO, 10.Setembro.2021
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