Seis milhões, novecentos e oitenta e cinco mil – em 2100
Os resultados do último censo geraram vários comentários e algum espanto. Mas a crise demográfica é conhecida, pelo menos, há duas décadas, com estudos e documentários sobre o "inverno demográfico" que atinge o mundo mais desenvolvido, em especial o Ocidente.
Agora, as notícias destacaram duas ideias: "Portugal tem menos 214 mil residentes do que em 2011", e "saldo migratório positivo não compensa esta perda". Traduzindo: a quebra de natalidade foi o factor.
Infelizmente, é de prever pior, porque não se vê que as atitudes sociais e as políticas públicas mudem, apesar dos contínuos indicadores de erosão demográfica. As Nações Unidas acompanham esta realidade em todo o mundo e publicam estatísticas e previsões. O número no título é a última previsão para a nossa população no fim do século: seremos 6.985.000 (World Population Prospects 2019). Isto é: perderemos 400 mil habitantes por década, o dobro do que o último censo já revelou. Cairemos três milhões até acabar o século.
Na nossa parte do mundo, as estatísticas não são muito diferentes das nossas. Mas estamos entre os piores. Já era assim há dez anos, em que as Nações Unidas previam pior: 6.754.000, em 2100. A ordem de grandeza é a mesma. Em 2012, comentei assim, para termos uma ideia mais física da magnitude do problema: "Portugal irá perder, em média, a cada cinco anos, 235 mil habitantes, ou seja, perdemos um concelho como o do Porto todos os cinco anos." As previsões de 2019 não andam longe disto.
O problema social e económico - e também humano - destas estatísticas nem é tanto sermos poucos; é tornarmo-nos cada vez mais velhos. É provável que, daqui a dez anos, a idade média em Portugal ultrapasse os 50 anos e não baixará; e que a população com 65 e mais anos atinja, em 2050, o patamar de 35% e não baixará.
Às vezes aponto as aldeias abandonadas do interior como metáfora desse futuro: terras com pouca gente e muito idosa. A metáfora, bem sei, é exagerada; mas é sugestiva - para isso servem as metáforas. Essas aldeias vão décadas à nossa frente: já sofrem o que iremos viver.
Sociedades envelhecidas têm baixo dinamismo económico. É natural. Sociedades envelhecidas são financeiramente mais frágeis. É natural. Sociedades envelhecidas podem cavar a crise de todos os sistemas sociais. É natural. A pressão do desemprego nos professores é o efeito indirecto da quebra de crianças e jovens. E o desenvolvimento do Estado social europeu arrancou dos baby boomers, sendo difícil que se aguente numa era de, digamos, elderly predominant. É pesado ver a faixa etária dos 25-64, onde está o grosso dos activos, cair para baixo dos 45% da população em 2050 (e não subir), ficando abaixo dos não activos que terá de suportar. É um enorme esforço.
Não se responde a este desafio com tiradas ideológicas como a que li, há semanas, à presidente do Grupo Parlamentar sobre População e Desenvolvimento, a defender que "é preciso acabar com o discurso de que a sustentabilidade da protecção social depende do número de filhos que cada mulher tem". É um grande disparate. Os filhos não dependem só delas, mas também deles e, como aqui já escrevi, a atitude deles é tão importante quanto a atitude delas. Mas a natalidade é, de facto, a questão.
Cada um, cada uma, cada geração colectivamente, tem, como é óbvio, toda a liberdade para fazer as escolhas que considera melhores. Mas cada um terá na velhice, em termos colectivos, os frutos do que a sua geração semeou. Nos baby boomers foi de uma maneira, nos elderly predominant é provável que seja doutra.
Há um ditado popular que sempre me interpelou: "Filho és, pai serás, assim como fizeres, assim acharás." Não foi construído para esta estatística. Mas pode aplicar-se: o que fizermos é o que acharemos. Termos no futuro sociedades mais jovens ou mais envelhecidas só depende de um factor: o número de filhos que geracionalmente tivermos. Não há volta a dar. É isto que nos permite falar, a sério, de população e desenvolvimento, como oposto de despovoamento e declínio. É escolher.
José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 22.Setembro.2021
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