As duas dúvidas de 24 horas
Apesar do cepticismo com que, aos primeiros acenos, muitos peritos a viram, a crise política adensa-se, afinal. O Orçamento está por um fio, porque a maioria anuncia rejeitá-lo. O Presidente publicou a sentença: se houver chumbo, haverá dissolução. Isto é, iremos para eleições antecipadas.
Governados pela maioria de esquerda desde 2015, ei-la que mostra como verdadeiramente está. No último segundo, esta maioria poderá não estar ferida de morte, mas está ferida de podre: entre passes de valsa e requebros de tango, alfinetam-se, esfaqueiam-se e rasteiram-se, sempre sorridentes. As eleições seriam bom remédio.
Na altura em que escrevo, é impossível dizer que sabemos exactamente o que se passará. Há muito que a palavra perdeu valor na política em Portugal. Muitas vezes o que se diz não quer dizer nada – triste é o quadro geral em que vivemos. Ao pôr-do-sol de quarta-feira saberemos. É a primeira dúvida de 24 horas: temos crise, ou era a brincar?
A outra dúvida de 24 horas joga-se no campo da oposição. Mal o cenário da crise parlamentar despontou como verosímil, os líderes do PSD e do CDS preveniram que poderia ser necessário reajustar os calendários de eleições internas, para não prejudicar a capacidade dos seus partidos para enfrentarem o desafio – e a oportunidade. A crítica das oposições internas foi vigorosa e imediata: nem pensar nisso.
Chamaram-me a atenção, por um recorte que me mandaram, para este comentário de Paulo Portas na televisão: "Fiquei pasmado quando ouvi os líderes dos partidos dizerem que era melhor adiarem as eleições internas dos partidos, por causa de uma ameaça do primeiro-ministro. No dia que a oposição entregar ao primeiro-ministro a definição dos seus próprios calendários e das sua próprias tarefas, bom, então, o melhor é concluir que não temos oposição."
Quem me alertou criticava a afirmação, feita num programa de política internacional, por confirmar o antigo líder do CDS por detrás dos ataques que têm sido movidos contra a direcção do CDS e talvez do PSD. É uma interpretação muito maldosa. O antigo líder do CDS nunca seria capaz dessas coisas.
A afirmação feita no programa “Global” mostra bem, aliás, o pleno cabimento internacional do comentário: Paulo Portas lembrou-se por certo de como, sendo líder do CDS, fez adiar de Março para Setembro de 2003 o XIX Congresso, por causa da invasão norte-americana do Iraque.
Toda a gente, de facto, compreende que uma crise internacional distante justifica o adiamento de eleições internas num partido nacional, enquanto uma crise política nacional envolvendo eleições antecipadas imediatas não o justifica de todo. Só os ignorantes em política mundial não entendem a diferença. Daí a abordagem no “Global”. Paulo Portas tem autoridade para o pôr em evidência, pois, como se sabe, foi condecorado por Donald Rumsfeld pelo apoio à invasão do Iraque.
Esta é a segunda dúvida de 24 horas: é bom ou é mau que os partidos da oposição ajustem, ou não, os calendários internos em razão de se precipitarem eleições? Bem sei que António Costa não é Bush, nem Rumsfeld, mas, ainda assim, ao eleitor comum da oposição não parece assisado que os partidos estejam embrenhados em agudos conflitos internos, em vez de estarem cem por cento focados na oposição e na alternativa à esquerda.
Somente o que se passar decidirá quem tem razão. Se não houver crise e o OE passar, cada um ficará na sua e os calendários na mesma. Mas, se a crise política rebentar e formos para eleições, todos experimentaremos um cenário da maior originalidade: a crise estoira porque, à esquerda, os partidos decidem guerrear-se; e, à direita, para não ficar atrás, os grupos dentro dos partidos escolhem embrenhar-se nas suas contendas e ambições. Porquê fazer oposição aos outros se podemos fazê-la dentro de nós?
Em 24 horas já saberemos. É insano, mas ao menos é breve. Já o resto…
José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 27.Outubro.2021
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