O CDS e as autárquicas: “manita” + 1. E mais umas quantas.


São tantas as eleições nas autárquicas que, em 308 concelhos e 3091 freguesias, há sempre hipótese de vaias e aplausos para alguém. É quase impossível não encontrar um “bibinha” para consolar derrotados ou uma nódoa para amarrotar vencedores. Há que ter cuidado e objetividade, além de experiência histórica, para analisar eleições autárquicas.

Para evitar charadas analíticas, está estabelecido que vitórias ou derrotas globais se aferem pelo número de Câmaras ganhas ou perdidas e pela variação na relação de forças neste indicador. E pesa também a importância das Câmaras. Assim, o PS venceu, embora amolgado por perdas importantes e pela subida dos municípios ganhos por PSD e CDS, com destaque para Lisboa.

Disseram-me que houve um comentador que desmereceu na televisão as vitórias do CDS e apontou para a quebra de votos, onde concorreu sozinho.

Em 2013, o facto da noite para o CDS foi a “manita”, como se diz no futebol: o CDS somou a Ponte de Lima mais quatro Câmaras. E Paulo Portas fez a festa – e bem –, numa noite que, no globo, correu mal. O PS ganhou, largo, essas eleições.

Em 2017, a festa do CDS foi o resultado excepcional de Assunção Cristas em Lisboa e ganhar mais uma Câmara, subindo de cinco para seis os municípios CDS. Houve entusiasmo, como é natural, embora os resultados gerais fossem sombrios: o PS ganhou ainda mais do que em 2013, deixado perspectivas problemáticas para o exame final de 2019. E Passos Coelho teve de sair da liderança do PSD.

Em 2021, não se percebe qual a lógica de o CDS, com a “manita + 1” que obteve, não poder festejar as mesmíssimas Câmaras que Assunção Cristas em 2017 e mais uma que Paulo Portas em 2013. Tolice.

O ângulo do número de votos é importante, mas não para amarrotar o retrato. Terá sido dito que o CDS caiu pela primeira vez abaixo dos 100 mil votos em listas só CDS. É verdade. Mas a explicação, aqui, é fácil e virtuosa: corresponde a votos que o CDS entregou – e bem – a novas coligações, muitas delas vitoriosas. O CDS em listas próprias teve menos 59.891 votos de 2017 para 2021. Ora, só 51.984 destes eram votos em Lisboa, que foram entregues à grande convergência para a vitória de Carlos Moedas. E outros também: 4.800 no Funchal, 4.000 em Lamego, por aí fora. É também tarefa temerária desagregar os votos de PSD e CDS: agora, houve 34 modelos diferentes de coligações envolvendo estes partidos.

O acerto estratégico da direcção do CDS é um dos factos mais salientes destas eleições. Posto debaixo de fogo contínuo, desde a sua eleição, por uma oposição interna implacável, indiferente aos interesses do partido, do eleitorado e do país, o Presidente do partido manteve sangue-frio e construiu com o PSD um naipe de coligações que fizeram a diferença, conquistando vitórias e participando nelas.

Em Lisboa, a oposição interna foi abrasiva, sempre hostil aos interesses do CDS e da cidade, pressionando disparates consecutivos: ida do CDS sozinho às urnas; não aceitar coligação com o PSD, se não a liderasse; Rodrigues dos Santos candidato. A oposição interna (foi pena ver Assunção Cristas metida nisto) falou para a derrota do CDS e a derrota da mudança em Lisboa. O CDS agiu localmente com sentido nacional, muitas vezes com sacrifício maior que o devido, como na Meda (mais uma vitória). É isso que explica as vitórias que alcançou, sozinho e coligado.

O mesmo comentador na TV teria indicado que o PSD ganhou 16 Câmaras. Não é verdade. São contas à “selfish PSD”. O PSD baixou seis câmaras. Aqueles ganhos são de novas coligações PSD/CDS, tal como outras de prática muito antiga: Cascais, Famalicão, Braga, Aveiro, etc. Aquele retrato das coisas pode denotar uma visão com dependência extrema do PSD. Grande força da noite foram as coligações PSD/CDS, com 41 vitórias, 22 vitórias acima de 2017, com municípios de grande significado: Lisboa, Coimbra, Funchal, Portalegre, Barcelos, Horta, etc.

O CDS faz parte desta viragem. É insofismável. Mas, é claro, agora há muito para fazer. De preferência sem oposição interna, empenhada a servir o erro, a usufruir dos postos de representação sem representar realmente e a prejudicar o trabalho de quem trabalha.


José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 6.Outubro.2021

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