Joacine e a reconciliação com a História
Sou defensor da tese de Joacine Katar Moreira ser, debaixo da exuberância agressiva, um exemplo de lusotropicalismo, ou melhor, dos seus ecos. Já lá voltarei.
Há cerca de um mês, em 19 de Outubro, tivemos nova confirmação evidente desse facto consolidado. Por baixo daquele dress code de extrema-esquerda hostil contra a Portugalidade, guarda-se um coração irmanado connosco, afinal, admirador da História comum.
A cerimónia de homenagem a “Aristides de Sousa Mendes – 1885-1954 – Justo entre as Nações – diplomata”, consagrou-o perpetuamente numa lápide no Panteão Nacional. A iniciativa fora da deputada Joacine, em Novembro de 2019, ainda deputada do Livre. Colheu a aprovação, primeiro, por unanimidade, em Junho e, mais tarde, apenas com a abstenção do Chega, em 3 de Julho de 2020. Não é para todos conseguir uma votação por unanimidade no Parlamento –nesta proposta, a autora conseguiu interpretar o coração português de todos (à segunda, de quase todos). Gabou-se por isso – e bem. Por mim, fico-lhe grato.
Só isto já é um sinal lusotropical. Que, sem racializações absurdas, nem reservas ou preconceitos cínicos, uma deputada (negra) da Assembleia da República lidere a iniciativa parlamentar de homenagear um diplomata (branco), compatriota, que se distinguiu na ajuda a judeus perseguidos pelo nazismo, inscrevendo para sempre o seu nome no Panteão – o Altar da Fama, o templo onde honramos os que mais engrandeceram a Pátria – é sinal inconfundível de Portugalidade.
Assinalei-o, quando, primeiro, detectei o lusotropicalismo. No auge da crise com o Livre, gritou que não sairia da Assembleia da República: “Eu nasci para estar ali. E vou continuar ali. Eu não me imagino em mais sítio nenhum hoje.” Nascida em Bissau, em 1982, oito anos depois da guerra, uma mulher guineense, negra, nascida num país independente, descolonizado e em paz, afirmar, com convicção e firmeza, que nasceu para estar na Assembleia da República da antiga potência colonial, em Lisboa, vindo a adquirir também a nacionalidade portuguesa, só pode dever-se ao fascínio lusotropical. Irrefutável.
Agora, o sinal foi mais intenso. Joacine entendeu – e bem – que o lugar de Aristides Sousa Mendes era, ali, ao lado dos cenotáfios de Camões, Vasco da Gama, D. Nuno Álvares Pereira, Afonso de Albuquerque, Pedro Álvares Cabral e Infante D. Henrique. É o gesto subtil, mas sintomático, por que Joacine se demarcou da sanha furiosa contra os painéis do Salão Nobre da Assembleia. Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque, Pedro Álvares Cabral e o Infante D. Henrique são protagonistas dos painéis; e Camões é o poeta maior que cantou, para nossa memória e cultura, os feitos ali retratados e outros mais, na esteira do monumental começo: “As armas e os barões assinalados,/ Que da ocidental praia Lusitana,/ Por mares nunca de antes navegados,/ Passaram ainda além da Taprobana,/ Em perigos e guerras esforçados, /Mais do que prometia a força humana,/ E entre gente remota edificaram/ Novo Reino, que tanto sublimaram.”
A imortalização de Aristides junto destes Grandes de Portugal, além de outros, é a reconciliação objectiva de Joacine com a História de Portugal e o resgate do discurso desastrado e extremista sobre os painéis. Honra lhe seja, porque obteve para tudo isto a unanimidade parlamentar (à segunda, com menos um).
Para a sua escolha, também não lhe escapou certamente a constatação de aí repousarem os restos mortais de Eusébio, primeiro português negro no Panteão, herói popular, grande campeão, marca lusotropical, que nunca renegou nem a sua condição moçambicana, nem a nacionalidade portuguesa e de todos se quis uma referência amável, vencedora e forte.
O Presidente da República resumiu: “Não há raças, etnias, religiões, culturas, civilizações, que sejam umas mais do que outras, que não mereçam todas o mesmo respeito. Que se sucedam ou não os modismos de cada época, os valores essenciais não mudam.”
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