Súbditos ou cidadãos
SÚBDITO: (subst.) Pessoa que depende da autoridade de um soberano. Pessoa que deve vassalagem a outrem. (adject.) Que está dependente da vontade de outrem. Vassalo. Dependente, submisso, subordinado.
CIDADÃO: (subst.) Indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado livre.
No momento em que escrevo, não sei o que decide o Ministério da Educação quanto às duas crianças de Famalicão cuja reprovação determinou e que pendia em juízo. Compreende-se a dificuldade. Até há pouco, a brutalidade da acção do Ministério estava travada no tribunal. Ao cair a providência cautelar, isso é muito mau para as crianças – brutalmente prejudicadas no seu percurso escolar de altíssimo mérito –, mas também é mau para o Ministério, que fica exposto sem biombo, máscara ou almofada.
Gostaria que prevalecesse o bom senso e o equilíbrio, deixando os alunos avançar conforme os seus méritos. Mesmo para quem considere que o Ministério tem razão – estou certo de que não tem –, chumbar dois alunos por razões de consciência, atropelando os seus méritos, é gritante violação do princípio da proporcionalidade. Mais ainda, se considerarmos que estão pendentes três anos de reprovações ordenadas administrativamente. É o Ministério da Educação como promotor activo do insucesso escolar.
A Constituição é clara no papel principal dos pais na educação dos filhos e no papel supletivo do Estado, importante, mas subsidiário. Este é ponto fundamental de doutrina e de pensamento social, coerente com as declarações internacionais de direitos humanos e dos direitos das crianças. Não pode haver a mais pequena dúvida. E a Constituição, ao afirmar a liberdade de aprender e ensinar (art.º 43.º), proíbe expressamente o Estado de “programar a educação segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.” Este caso insere-se neste campo. Como se desenvolveu, traduz a tentativa de o Estado ultrapassar estes limites, invadir os domínios reservados das famílias e impor-lhes o seu pensamento.
O Estado gerou uma formação nova fora do tronco clássico da aprendizagem escolar; depois, reorganizou como obrigatória essa formação, de início facultativa; enfim, sujeitou-a a avaliação classificativa, que, antes, não havia. Ou seja, fortaleceu progressivamente o envelope coercivo para a frequência pelas crianças, independentemente dos conteúdos concretos e da sensibilidade dos pais. O conflito emergiu daqui. A situação não é igual em todas as escolas, dependendo dos modelos concretos, do grau de sensibilidade revelado e do diálogo existente na comunidade escolar e desta com o aparelho. Neste caso, o Ministério usou o poder para extremar.
Em textos que escrevo, não recebo só manifestações de apoio a esta família – crescentes, aliás. Recebo contestação, permitindo traçar as linhas em que se baseiam os que apoiam o Ministério.
O primeiro, é o argumento das outras disciplinas: e se fosse na Matemática? E em Português? Ou em Filosofia? Ou em Biologia? É argumento para desconversar: toda a gente sabe a diferença. A questão tem apenas a ver com matérias de consciência e de formação pessoal, além das proibições fixadas ao Estado pelo artigo 43.º da Constituição.
O segundo é o argumento do ensino privado ou, mais chocante ainda, do ensino doméstico: “se não queres, vai para um colégio”; “ou ficas em casa, no doméstico”. A escola pública é para todos, não é só para a esquerda, não é o colégio particular da esquerda. Tem de respeitar todas as famílias, em igualdade, tanto as que pensam à esquerda, como as que pensam à direita. Não pode pisar, nem ofender convicções e sensibilidade protegidas pelos direitos fundamentais.
O terceiro é o argumento de autoridade: a lei é para cumprir, o Ministério é que sabe, o Ministério é que manda, “daqui a pouco cada pai faz o que quer”. É o argumento característico da cultura “atento, venerador e obrigado”, da vénia perante o poder, da ignorância ou desvalorização de direitos e garantias perante o Estado. Em suma, é o espelho de uma cidadania ausente, muito frágil, agachada, sempre disponível para amochar.
Por isso é tão importante esta luta. Em Cidadania e Desenvolvimento, estas crianças e seus pais, levantando-se, dão a todos uma lição de cidadania pela liberdade de educação e de consciência. Convidam-nos a sermos, consigo, cidadãos e, na linguagem da esquerda, defendermos as “conquistas de Abril”, coincidentes, aqui, com princípios de Direito Natural.
O Ministério deve ensinar cidadania. Não a deve combater.
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