Natal, o outro dia dos irmãos


Sou um dos iniciadores do 31 de Maio, Dia dos Irmãos. Começámos em 2014. A data tem crescido, em Portugal e noutros países europeus, na comemoração civil entre irmãos e irmãs – ou os primos, que como irmãos são. Foi assumida, de início, pela ELFAC, a Confederação Europeia das Famílias Numerosas, e pelos seus membros, de onde irradia. Já está na Wikipédia em diferentes línguas; e, consagração das consagrações, no “Borda d’Água”, o “Diário da República” de informações várias e dos usos e costumes. É aqui que somos informados das horas do nascer e do pôr-do-sol, das fases da lua, do mês para transplantar as cebolas, pulverizar as laranjeiras, resinar os pinheiros, preparar as estacas para feijões e ervilhas, semear abóbora, alface, beterraba e couves e, informação fundamental, o Dia dos Irmãos, em 31 de Maio – dia que é também o da Visitação de Nossa Senhora, o Dia Mundial Sem Tabaco, o Dia Europeu dos Vizinhos e quando nasceu, em 1756, o Abade Faria (cientista).

O Natal também me chama para estes sentimentos. O Natal é uma festa cristã: sem Jesus Cristo não haveria. Talvez coincidisse algures com alguma festa pagã que já houvesse. E, na crescente paganização para que extremistas e manipuladores a querem mergulhar e regredir, apagando-lhe os traços, talvez sobeje rasto no materialismo e consumismo superficiais: o dia dos presentes, a estação do bacalhau, do polvo ou do peru, a quadra dos trópicos (onde os dos países do Norte procuram gozar dias de férias sem frio). Mas ninguém criaria o Dia do Peru Recheado, o Dia da Viagem às Caraíbas ou o Dia da Preciosa Inutilidade. 

É preciso regressarmos ao nascimento de Cristo para percebermos tudo. Qualquer não-crente o entende e também pode viver, tocado pelo espírito (que é o pai de tudo) e seguindo também o seu significado, tão simples, quanto poderoso. Esta coisa de o nosso Deus se ter lembrado de nos mandar o Seu próprio filho, para aqui nascer como qualquer um de nós, num ambiente pobre, e crescer connosco para nos explicar o essencial de tudo e nos amar por cima de todo o mal que lhe fizemos e fazemos – é história formidável. Uma fundação de infinita e interminável inspiração. 

Eu acredito que Deus é o mesmo em todo o lado e todos os povos de algum modo o conheceram. As diferenças de religião revelam modos diferentes por que Deus se manifestou ou se deu a conhecer a quem O procurou e não que existam o Deus A, B ou C, em competição ou em guerra uns com os outros. E creio que nós, cristãos, tivemos o privilégio fantástico de termos conhecido a Deus através deste menino, nascido em Belém, tão bebé como os muitos milhares de bebés que nascem todos os dias, com uma existência comum, caminhando connosco, e morto na cruz, como qualquer um de nós que fosse violentamente rejeitado, humilhado e injustiçado. Pelo nascimento, deu-nos a alegria do Natal. Pela morte e ressurreição, deixou-nos a invencível, a sempre renascida inspiração da Páscoa. Nascido entre judeus, que também era, explicou-nos como o povo eleito não é nenhum em especial e exclusivo, mas, em aptidão, o povo eleito é a Humanidade toda, a Terra inteira. “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”, assim conta Lucas do princípio.

O Natal é, por isso, a época e a festa mais inclusiva que pode haver. Porque, no seu espírito, no espírito que vemos brilhar nas ruas, nas músicas e canções da época, nas montras do comércio, nas famílias que se reúnem, nas consoadas, na missa do galo, na mesa mais farta e mais bela que pudermos, nos presépios e árvores de Natal, nas luzes cintilantes, nos abraços e risos, o que respira e alimenta é sermos irmãos: irmãos uns dos outros, irmãos daquele Deus-menino e, porque Ele é irmão de todos, nós todos irmãos somos também. Eis, pois, o dia da fraternidade universal.

Hoje (não, não vem no “Borda d’Água”), é também o dia dos meus anos – há 68 anos que faço anos neste dia 24. É um dia em que me lembro especialmente do meu irmão, o único que tive. Morreu já há sete anos, partiu cedo. Quando me meti no lançamento da festa do Dia dos Irmãos foi por causa dele – sentimos mais a importância do que temos, quando nos falta. E, na verdade, nas festas sociais de relação familiar, além do Dia da Mãe, do Dia do Pai e do Dia dos Avós, estava mesmo a fazer falta o Dia dos Irmãos.

O Fernando foi uma pessoa extraordinária. Alegre, optimista, inteligente, engenhocas, capaz de ensinar, marinheiro, amigo, bom colega, excelente profissional, de forte capacidade cívica, eu sei lá. Era um ano e meio mais velho que eu. Crescemos no mesmo quarto, nos mesmos corredores, nas mesmas escolas até ele ir para a Escola Naval e eu para Direito. O traço mais forte da nossa relação era a cumplicidade, que é também o que mais falta me faz. Deixou-me desasado. Lembrá-lo é forma de manter no sítio a minha asa que quebrou.

Neste Natal, como em todos os outros que foram e os que vierem a ser, o Fernando continua comigo e eu com ele. É um daqueles milagres simples, feitos pelo coração: a vida nunca acaba, enquanto a mantemos viva.

Desejo a todos os irmãos – que são literalmente todos os que somos à face da Terra – um Feliz Natal. Que se sintam bem, se refresquem e alimentem na alegria e na paz. Que se sintam, assim, todos com todos. E, já agora, façam qualquer coisinha para fazer o mundo melhor. O mundo está precisado. E, para os que crêem ou não crêem, “paz na terra aos homens de boa vontade”.


José Ribeiro e Castro
Advogado, ex-líder do CDS
Presidente da APDQ - Associação Por uma Democracia de Qualidade

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24.Dezembro.2021

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