Responsabilidade política e o ministro Eduardo Cabrita
Este último caso do ministro Eduardo Cabrita deve ficar como exemplo de escola: a não compreensão imediata do que é a responsabilidade política acaba por conduzir à sua aplicação tardia em muito piores termos e circunstâncias. Talvez o ex-ministro já o tenha constatado; e o primeiro-ministro também. É básico compreender dois factos: primeiro, a responsabilidade política existe independentemente de culpa; segundo, a responsabilidade política, quando não assumida em tempo, tende a crescer com o decurso do tempo e pode inclusive vir a gerar culpa.
O ministro da Administração Interna viu-se envolvido, em 18 de Junho, no atropelamento mortal de um trabalhador pela viatura oficial em que se deslocava em serviço. Uma infelicidade. Ninguém sugeriu que o ministro fosse responsável pelo atropelamento. Dizê-lo seria uma enormidade. Mas, se o ministro se tivesse demitido logo, por intuir de imediato – e bem – o melindre incontornável da situação para o governo e para si, não teria de o fazer, agora, sob pressão e após declarações inaceitáveis.
A 18 de Junho, teria poupado uma série de embaraços. Muitos (senão todos) teriam saudado a “dignidade exemplar” do gesto e amnistiado o ministro de faltas passadas – uma espécie de “reset”. Porventura quase seis meses passados, estaria pronto a voltar ao governo. O acidente teria sido investigado com normalidade, desejavelmente sem ingerências, nem pressões. A família da vítima teria recebido as indemnizações de justiça. O ministro teria mostrado luto e respeito humano pela vítima e, ao mesmo tempo, compreender que a sua responsabilidade governativa por garantir a segurança rodoviária ficara comprometida por aquele acidente.
A questão era o excesso de velocidade, evidente para toda a gente desde o princípio. Pior ainda, com vítima mortal. Agora, pela acusação, toda a gente soube dos 163 km/h, provocando no mesmo dia a demissão do ministro. Mas o motorista e o ministro sabiam-no desde o princípio, talvez não com o rigor dos km/h, mas com a factualidade indiscutível do excesso de velocidade. E toda a gente sabia que eles sabiam.
A pressão foi aumentando não só sobre este caso, mas também sobre os membros do governo, incluindo o primeiro-ministro, para intuir a velocidade a que se teriam deslocado nalguns dias e a mostrar flagrantes violações do Código da Estrada por excesso de velocidade. Houve vários artigos nos jornais. E vimos, nas televisões, sugestivas imagens destas transgressões rodoviárias.
O que provocou o interesse mediático pela velocidade das viaturas do governo? A não compreensão por Eduardo Cabrita do que o infeliz acidente lhe impunha como responsabilidade política. E o que teria de fazer um ministro da Administração Interna confrontado de repente com um surto de violações do Código da Estrada pelas viaturas oficiais dos colegas de governo? Teria de adoptar medidas que impusessem o respeito comum (“a lei é igual para todos”) ou definissem um quadro específico excepcional. Por que não foi assim? Porque o ministro estava politicamente inibido, desde 18 de Junho, para qualquer acção vigorosa neste domínio, em especial tratando-se de membros do governo em excesso de velocidade.
É falso, por último, dizer que houve aproveitamento político do caso. Foi mais o contrário. É facto que se foram repetindo as perguntas incómodas sobre a velocidade a que iria o carro. Era inevitável. Mas, atendendo ao atropelamento mortal, imaginemos que isto se passasse noutro governo com um ministro PSD ou CDS. Acredito que se teria demitido prontamente. Mas, se quisesse continuar, teria sido frito vivo, todos os dias, com julgamentos populares na comunicação social e berreiro parlamentar até o fazerem cair. Inexorável.
Uma coisa é certa. O PS tem de definir de uma vez por todas qual é o seu paradigma: o paradigma Jorge Coelho? Ou o paradigma que Eduardo Cabrita fixou neste caso? Um é o paradigma bom. O outro é tão mau, que nem paradigma pode ser. Não é preciso muita teoria. Os factos falam por si.
José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 10.Dezembro.2021
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