A regionalização transformada num logro
Rui Rio tem dito, quanto à Regionalização, que mudou desde o referendo de 1998: na altura foi contra, hoje é a favor. Também mudei. Mas comigo passa-se o contrário: na altura votei a favor, hoje sou claramente contra.
Rui Rio explicou ter mudado de posição por verificar que a centralização piorou. É verdade. Mas a razão por que nos centralizámos mais está exactamente no modelo de concentração de poder que PS e PSD querem implantar: as cinco “regiões” das CCDR, seguidoras das regiões-plano. Isto é que foi a desgraça do país, em particular, do interior e suas populações.
Podemos olhar o declínio demográfico por vários indicadores. Vou usar um instrumento à superfície: o número de deputados do interior, considerando “interior” os círculos de Vila Real, Bragança, Viseu, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora e Beja. Os deputados são repartidos conforme os eleitores e estes variam com a população residente: menos deputados quer dizer menos gente, ou seja, despovoamento.
Nas eleições constituintes, em 1975, o interior elegeu 19,2% dos 250 deputados. Esta quota de 2/10 (dois décimos) do país foi sempre em quebra. Em 1991, quando os deputados passaram a ser 230, os do interior eram 16,9% do Parlamento e, em 2019, foram só 13,5%, ou seja, pouco mais de um décimo (1,3/10).
O esvaziamento do interior é uma catástrofe humana, social e económica. A olhos vistos. É responsável também pela gravidade crescente do flagelo dos incêndios, expressão trágica do abandono. É a consequência directa do encerramento em moto-contínuo de inúmeros serviços que existiam em todas as capitais de distrito e de outras unidades de serviço sedeadas noutras cidades. Foram desequipadas ou concentradas em polos “regionais”, tendencialmente no litoral.
Este movimento geral da Administração Pública começou no final dos anos ’80, continuando até hoje. Visto “a posteriori”, dir-se-ia uma conspiração contra o interior. Bragança, Guarda, Castelo Branco e Portalegre foram reduzidas a quase nada em termos de decisão sobre o seu presente e influência sobre o seu futuro. Tudo se pensa, avalia e decide no Porto e em Lisboa; em Coimbra e em Lisboa; em Évora e em Lisboa.
Em 1998, apesar da hiperpolitização que o dossier assumira – e o matou –, aquele desvario territorial ainda poderia ter sido atalhado e corrigido: o mapa não era o das cinco regiões centralizadas. O referendo perdeu. Por números esmagadores: 60% Não, menos de 35% Sim. Em democracia, este facto democraticamente esclarecedor deveria ter levado à revisão da Constituição, eliminando o capítulo respectivo e voltando à casa da partida: isto é, repondo os distritos (como impõe ao artigo 291.º) e fixando normas simples, não demasiado formatadas quanto ao patamar administrativo intermédio. Ter-se-ia interrompido o atropelo do interior e dado tempo a amadurecer o modelo de futuro.
A manutenção do capítulo da Constituição, democraticamente derrotado, não fez, nem deixou fazer, a não ser prosseguir até ao absurdo o desmantelamento das estruturas que serviam o interior. O abandono tornou-se total. É intuitivo perceber o logro: os distritos são 18, as CCDR são cinco. Quem de 18 passa a cinco centraliza, não descentraliza coisa nenhuma. É o que PS e PSD andam a fazer em Portugal desde há 30 anos.
Os nossos primeiros reis (e outros) tiveram como preocupação de destaque o povoamento do Reino. Nestes 30 anos, entretivemo-nos a destruir aquilo de que cuidaram e nos legaram. O continente tem, hoje, um nível de desigualdade territorial e de desequilíbrio demográfico como nunca teve. Um escândalo gritante contra as populações e contra a economia.
Podemos olhar a administração territorial sob dois ângulos: poder e proximidade. Proximidade é o que interessa aos cidadãos. Poder é o que interessa sabemos a quem. A “regionalização” que o PS anuncia e o PSD apoia já destruiu a proximidade e só serve interesses de poder. Só merece uma resposta: Não!
José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 5.Janeiro.2022
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