O Porto e a regionalização


É vulgar a ideia de a regionalização ser muito importante para o Porto; e, por conseguinte, que não a fazer ser-lhe-ia muito negativo. Não penso que seja assim. Creio até que o Porto – como todo o continente – tem sido prejudicado pelo intrincado trambolho em que a Regionalização de transformou. Se, a partir de 1975/76, tivéssemos feito com os distritos o que se fez com os municípios, tudo estaria resolvido. E a andar. Porventura, já estaríamos numa etapa mais à frente, racionalizando o quadro de partida. 

Em geral, as pessoas ignoram que os distritos também eram autarquias, lado este de descentralização democrática que podia ter sido desenvolvido, como aconteceu a municípios e freguesias. Os distritos não eram só circunscrições administrativas, onde preponderavam os governadores civis e as delegações distritais da Administração Central. Tinham também a vertente de poder descentralizado que a democracia local/regional desenvolveria. 

Bem vistas as coisas, a Regionalização deu cabo de tudo: não passou de quimera. Uma quimera ruim, que destruiu, pelo caminho, o que havia e entupiu tudo: há mais de 40 anos que não se faz, nem deixa fazer.

Todas as capitais de distrito dispunham de uma rede importante de serviços desconcentrados da Administração Central, que administravam em proximidade. Essa rede foi completamente desmantelada, aliás, em violação da Constituição (artigo 291.º) com tanta indiferença, quanto descaramento. O Porto não o terá sentido, pois é capital regional de uma CCDR, onde se concentraram esses serviços. Mas compreende por certo o dano brutal que isso representou para cidades como Viana do Castelo, Vila Real, Bragança e, em menor grau, Braga. Este atropelo foi devastador para o interior e as suas populações.

O Porto não ganha com uma “região” moldada sobre a CCDR/Norte. A Regionalização e os seus ideias profundos de subsidiariedade e proximidade às populações não se traduzem na recriação do Condado Portucalense – aliás, pela metade: meio condado com sede no Porto, outra metade centrada em Coimbra. O modelo de recriação de outros Terreiros do Paço, a Norte e ao Centro, não seria benéfico. Traria muita tensão e antipatia. Corresponderia a um figurino altamente centralizador, que – vemos agora – foi a fraude para onde nos conduziram por veredas e montanhas. Quem de 18 (os distritos) faz cinco (as regiões) centraliza, e muito; não descentraliza coisa nenhuma. É tão óbvio que até doi. Como foi possível?

O Porto também não ganha com o discurso de antagonismo a Lisboa e o modelo do “rival”. É redutor. Traz energia negativa. O Porto é o Porto, não precisa de Lisboa para nada. O Porto precisa unicamente de que o Governo (com sede em Lisboa) governe bem. E governar bem, quanto ao Porto, é servir o Porto como cidade europeia, entender que a sua vocação e ambição é estar na linha da frente do progresso nacional e consolidar o seu desempenho internacional. Hoje, a competição faz-se muito entre cidades: Milão, Florença, Veneza, Lyon, Bordéus, Marselha, Roterdão, Barcelona, Bilbau, Liverpool, Frankfurt, Munique, cidades que não são capitais nacionais e a que só por ignorância chamaríamos “secundárias”.

Para este desígnio – que, sendo do Porto, é um desígnio nacional – o fundamental é a Área Metropolitana, realmente a sua região (o mesmo se diga também, a Sul, de Lisboa/Setúbal). Há grandes marcas internacionais do Porto, como o famoso vinho do seu nome e, no desporto, o Futebol Clube do Porto. O Porto guarda outras marcas dentro de si, que pode projectar. Tem muito mais para oferecer, com a sua marca e carácter; e crescendo continuamente, para oferecer ainda mais a seguir. Tem a cultura, a música, a Universidade, a ciência, a inovação, a indústria e o comércio, o relacionamento europeu e lusófono. Com Gaia do outro lado, binómio invejável, é o estuário de um grande rio da península e da Europa. E são fulcrais, além das ligações rodoviárias já estabelecidas em todas as direcções, o porto, o aeroporto (e as rotas que serve) e a ferrovia, tão carecida de desenvolvimento. Isto é que consolidará cada vez mais o Porto como grande cidade europeia, a capital do Noroeste Peninsular. Só governos sem visão ou Parlamentos mudos não quereriam apoiar e prosseguir este grande desígnio nacional.

Para isso, o quadro fundamental é a Área Metropolitana. Sabemos onde está encravada: na Regionalização. Por um lado, não sabemos se a AM deve ser abaixo, ou acima, ou ao lado, da “região” que viesse a haver. Por outro lado, porque, onde nos atolámos, sempre que se fala em Áreas Metropolitanas, salta o alarme: “aqui d’El-Rei! Vem aí a regionalização encapotada.” 

A regionalização tornou-se um logro e uma encrenca. O referendo de 1998 chumbou-a categoricamente: 60% contra 35%. Se não a tiramos do caminho, não temos futuro, nem presente.



José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 12.Janeiro.2022

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