O erro catastrófico
Há um mês, escrevi uma crónica que começava assim: «Dois meses depois do início da crise e a um mês das eleições, é pouco claro para que vai isto servir. Tínhamos maioria de esquerda; é provável que continue, embora encolhida.» Tudo visto, serviu para nada: a esquerda tinha maioria; assim continua. Um pouco encolhida, como previ, mas, agora, com um instrumento poderoso que não tinha: a maioria absoluta do PS.
A crise serviu ao PS. E serviu também a IL e Chega, embora eu tenha dificuldades nacionais para perceber por que têm festejado tanto. Compreendo a alegria dos partidários, pelo acentuado crescimento que conseguiram. Mas, no contexto de ser a primeira vez que Portugal vai ter a terceira maioria de esquerda consecutiva e antecipando o que isso nos trará, custa entender tanta festa. Há uns anos, ninguém à direita sentiria festa. A maioria de esquerda não é pequena: igual à vantagem que PSD e CDS tiveram em 2011/15. E a maioria absoluta do PS, após os votos da emigração, será igual ou quase à de José Sócrates em 2005.
Hoje, já podemos ver todo o filme e perceber por que razão a direita perdeu e como agiu para entregar de bandeja à esquerda esta nova maioria. O erro catastrófico foi não ter sido feita uma nova AD, unindo no mesmo projecto e nas mesmas listas PSD, CDS, PPM (a AD histórica) e, se aceitasse, a IL. Penso que teria ganho as eleições. Era a única forma de o podermos conseguir – e nem o tentámos. O provérbio diz: “a união faz a força”. O novo ditado aprendido foi: “a divisão faz a fraqueza”.
António Costa é o único vencedor destas eleições, pela frieza estratégica que mostrou em 27 de Outubro. À esquerda, conseguiu sugar aos BE e CDU (além do PAN), os centos de mil votos para governar sem depender deles. E, do outro lado, se Costa também avaliou que, no rescaldo das autárquicas, esta seria a melhor altura para defrontar a direita, porque se iria fragmentar, também acertou em cheio: a direita fez-lhe o jogo, com destaque para o PSD.
Em 28 de Outubro, quando Rui Rio deveria ter convocado a AD para responder à crise aberta, iniciou-se, à direita, o campeonato de golos na própria baliza. Cavalgando ganhos nas eleições autárquicas – limitados, mas encorajadores – logo correu um cheirinho a poder. O aroma desenfreou as divisões e zangas internas no PSD e CDS. De modo feio no CDS, mais institucional no PSD, andámos nisto mês e meio. Para nada, pois Rio ganhou na mesma. Muitos gabaram a “legitimidade” e a todos pareceu, assim disseram, que ganhara “embalagem” e “agora sim, ia vencer Costa”. Afinal, era tudo fitas de cinema. A festa eleitoral interna de nada serviu. PSD teve o mesmo de há dois anos. Costa ficou a rir-se.
O mais monumental golo na própria baliza foi a rejeição da coligação pré-eleitoral com o CDS e outros. Foi Rio que o disse, mas o erro não foi seu. Foi do PSD inteiro, com grande vozearia de Rangel, assim como de sectores do CDS e outros, aconselhando a não fazer essa “caridade”. Sá Carneiro não morava ali. O PSD desvalorizou que as vitórias autárquicas, que excitaram o cheiro a poder, não tinham sido do PSD (que, aliás, perdera Câmaras), mas de coligações PSD/CDS. E ignorou no histórico da AD a química da memória e da união, que produz efeitos magnéticos de adesão e de mobilização.
Quando feita no tempo certo, a Aliança Democrática tem força muito superior à das suas partes e é capaz de alcançar a vitória a que nenhuma chegaria. Só a AD tinha capacidade para estancar a fragmentação à direita, concentrando a votação necessária a pôr a esquerda em minoria. A conversão de votos em mandatos seria mais favorável. A abstenção baixaria ainda mais, porque líderes inteligentes e com espírito de servir tinham posto ao alcance dos eleitores de centro e da direita a alavanca e o botão da mudança. O PS não teria maioria absoluta. E provavelmente a esquerda teria perdido a maioria. Este era o tempo certo. E necessário.
Assim, o CDS saiu da Assembleia da República – parabéns, é claro, a quem o tenha desejado. A fragmentação à direita consolidou-se, no forte crescimento do Chega e da IL. E o PSD ficou a marcar passo. Enganou-se a si mesmo. Enxotou a oportunidade. Fez perder tempo a Portugal.
José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 2.Fevereiro.2022
Comentários
Enviar um comentário