Não há direito. Biden tem razão.
Para termos consciência da extrema gravidade dos actos de Vladimir Putin, não chega a brutalidade da destruição e da morte na Ucrânia. É preciso ir à perplexidade dos ucranianos destroçados: “Nunca pensei isto ser possível na Europa no século XXI.” Têm toda a razão: isto não cabe no nosso espaço e no nosso tempo. Putin fez a Rússia quebrar garantias fundamentais da nossa era. Não há direito.
URSS (hoje, Rússia), Bielorrússia e Ucrânia foram dos 51 fundadores da ONU que, em 1945, proclamaram a Carta: “Nós, os povos das Nações Unidas, decididos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade”. Daqueles três, só a Ucrânia honra a promessa. Rússia e Bielorrússia, às ordens de Putin, devolvem-nos ao flagelo da guerra, pondo-nos no risco de sofrimentos indizíveis. Não há direito.
Em 1994, a Ucrânia abdicou do armamento nuclear, assinando, com três garantes, o Memorando de Budapeste. Diz o n.º 1: “A Federação Russa, o Reino Unido e os EUA reafirmam o seu compromisso com a Ucrânia (…) em respeitar a independência e soberania e as fronteiras actuais da Ucrânia”. E o n.º 2: “reafirmam a sua obrigação de abster-se da ameaça ou do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política da Ucrânia (…)”. As fronteiras da Ucrânia eram as actuais, incluindo a Crimeia. Às ordens de Putin, a Rússia despedaça tudo: fronteiras, integridade territorial, independência, soberania. Não há direito.
Em 1975, alcançou-se a Acta Final de Helsínquia (OSCE). Afirma “o compromisso com a paz, a segurança e a justiça e a continuação do desenvolvimento de relações amistosas e de cooperação”, o que é desenvolvido, entre outros, nestes capítulos: “Igualdade soberana e respeito pelos direitos inerentes”; “Abstenção de ameaça ou de uso da força”; “Inviolabilidade das fronteiras”; “Integridade territorial dos Estados”; “Solução pacífica de conflitos”. Acresceram a Carta de Paris (1990) e a Carta para a Segurança Europeia (Istanbul, 1999), subscritas por Rússia e Ucrânia. Às ordens de Putin, a Rússia rasgou tudo. Nem a União Soviética o tinha feito, após 1975, no espaço da OSCE. Não há direito.
Estas gravíssimas quebras do direito internacional caem na alçada do Conselho de Segurança da ONU, que tem “a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais”. Adivinhem quem presidia ao Conselho, em Fevereiro, quando começou a invasão da Ucrânia? Vasily Nebenzya, representante permanente da Rússia, o agressor. Parece impossível. Não há direito.
Vistos estes atropelos do direito moderno, olhemos a lei antiga de Putin: cidades arrasadas, o massacre de Mariupol, áreas civis fustigadas em estratégia de terrorismo. Não é só xadrez no tabuleiro geopolítico, é um jogo macabro no terreno.
Está mal, por isso, que pessoas que não estão do lado de Putin se escandalizem por Biden, às vezes, não se conter e apontar a verdade: “criminoso de guerra”, “rufia”, “ditador assassino”, “puro bandido”, “mentiroso”, “carniceiro”. Entendo que nem todos o digam, mas é um erro que o censurem. A querela por cá sobre as palavras de Biden é um favor que se faz a Putin por lá.
Menos entendo críticas por o Presidente norte-americano ter dito, em Varsóvia: “Por amor de Deus, este homem não pode continuar no poder!” Só haverá paz duradoura na Europa, se Putin for substituído, até dentro do regime. A reacção russa está certa, quando diz que isto é tarefa dos russos. É isso mesmo que pedimos: em nome da paz mundial, escolham quem faça a paz e seja capaz de a servir e manter: um bom líder para a Rússia, um bom estadista para o mundo.
Nunca chegaremos à Europa do século XXI com os métodos e ideias de 1939.
Críticos, como Macron, esqueceram depressa Putin a chamar os militares ucranianos a "tomarem o poder", depondo Zelensky e os seus "neo-nazis" e "viciados em drogas". Macron deve inquietar-se antes com palavras francesas como “Auchan”, “Leroy Merlin”, “Renault”, “Société Générale”, “Danone”, reportadas por continuarem a alimentar a economia de Putin, que agride a Ucrânia e põe a Europa a sangrar.
José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 30.Março.2022
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