Sondagens: ciência e aldrabice
Se as
sondagens que foram publicadas para as eleições legislativas fossem submetidas
ao teste do Polígrafo, nem uma só escapava: todas levariam o carimbo “Falso”,
algumas o de “Pimenta na língua”. No fim de longa valsa, as últimas sondagens
davam ao PS 35% a 37% e ao PSD 31% a 33%. Jornais houve que clamaram “empate
técnico”, por causa das margens de erro dos inquéritos. No dia 30, nas urnas, o
PS obteve 42% e o PSD 29%. Empate técnico, uma ova!
Nos partidos
mais pequenos, os erros também dominaram: subavaliaram o crescimento do Chega e
da IL; subavaliaram a quebra do Bloco; só acertaram nas quebras de CDU, CDS e
PAN.
Em resumo,
nota zero para empresas e institutos de sondagens. Ou melhor, nota zero para a
forma como a comunicação manejou – e manipulou – o produto que lhes era
oferecido. Foram semanas consecutivas a enganar e a confundir, terminando o
último dia de campanha mais longe da verdade do que perto dela.
É
provavelmente por isso que as sondagens não são postas sob o teste do
Polígrafo: os órgãos de comunicação social sabem que estariam a julgar-se a si
próprios. Infelizmente, revelam ainda insuficiente espírito de autocrítica – e
só este poderá salvar o futuro.
O problema
das sondagens, ou melhor, deste seu uso e abuso, é que influem – e de que
maneira! – no comportamento dos eleitores. Tornam-se factores determinantes dos
resultados eleitorais. Umas vezes, “self-fulfilling prophecies” (profecias
autorrealizáveis), levando a acontecer aquilo que anunciam. Outras vezes,
provocam reacções no sentido inverso ao que prevêem. Em ambos os casos, são
agentes dominantes das decisões dos eleitores e podem determinar os resultados.
Lembro-me bem
de um caso desses, em 2005, nas autárquicas em Lisboa. O candidato do PSD era
António Carmona Rodrigues, o do PS Manuel Maria Carrilho. As sondagens davam
normalmente Carmona bem distanciado de Carrilho, com cerca de 10 pontos de
vantagem, o que tornava claro que Carmona seria o novo Presidente da Câmara.
Porém, no último dia de campanha (7 de Outubro), a Aximage, a contra-corrente,
surpreendeu e previu para TVI/DN/TSF que Manuel Maria Carrilho teria 34,7% e
Carmona Rodrigues 34,3%. O último dia de campanha foi dominado por esta notícia,
de manhã à noite: ambos empatados, com Carrilho em vantagem.
Domingo, dois
dias depois, as eleições falaram: Carmona venceu com 42,4% contra 26,6% de
Carrilho. Vergonha! A Aximage enganara-se estrondosamente. Não apresentou
qualquer explicação ou um pedido de desculpas. TVI, DN e TSF também não. Ao
enganar-se, a sondagem enganou. E teve efeito decisivo nos resultados, levando
muitos eleitores a desviarem o voto, para reforçarem Carmona. A grande vítima
seria o CDS, com Maria José Nogueira Pinto a quase falhar a eleição, limitada aos
5,9% que não foram na onda do voto útil. Maria José, eleita, seria, depois, uma
vereadora bem marcante para a cidade.
Agora, nestas
eleições de 30 de Janeiro, é quase unânime o comentário de terem sido as
sondagens que provocaram a maioria absoluta para o PS e António Costa. Nunca a
previram. E, ao convergirem nos últimos dias de campanha para um cenário de
empate entre PS e PSD, provocaram uma vaga de voto útil no PS. Uma vaga curiosa,
pois juntou aos que queriam essa maioria também aqueles que a não queriam, mas
foram votar PS para o distanciar do PSD, com o conforto de, em caso algum,
António Costa obter maioria absoluta. Ironias do calculismo eleitoral.
Em Portugal,
as sondagens já foram proibidas nos períodos eleitorais. Inicialmente,
estiveram proibidas, nas eleições legislativas, desde a data de marcação da
eleição até ao seu dia seguinte. Outro regime, nas autárquicas e presidenciais,
foi o da proibição apenas durante a campanha eleitoral até ao dia seguinte à
eleição. Depois, evoluiu-se para a proibição somente na última semana de
campanha até à eleição. Hoje, não há proibição.
O motivo para
a proibição é justamente o receio de fraude e manipulação. E, na verdade, não é
preciso ser seguidor das teorias da conspiração para reconhecer que o perigo
existe e que objectivamente verifica-se.
Uma eleição é
mais importante do que escolher um sabonete, lançar um perfume ou testar a
receptividade a um tremoço crocante com mel. Nos produtos de mercado, as pequenas
margens de variação nos estudos não são muito relevantes. Já nas sondagens
essas margens são, muitas vezes, tudo. E há regras de obtenção e apresentação
da verdade que não podem ser simplificadas em estudos destinados ao público e
não ao cliente.
A ERC anda
por aí? A proibição pode ter de voltar, onde a regulação faz de conta.
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