Vemo-nos em Kyiv e em Moscovo
Passou um mês do início da “agressão da Federação Russa contra a Ucrânia em violação com o Artigo 2 da Carta da ONU”. As palavras são da Assembleia Geral das Nações Unidas que, a 2 de março, por 141 votos a favor, 5 contra e 35 abstenções, declarou que a “deplora, nos termos mais fortes”. Expressamente reconheceu que “as operações militares da Federação Russa dentro do território soberano da Ucrânia estão numa escala que a comunidade internacional não vê na Europa há décadas e que é necessária uma ação urgente para salvar esta geração do flagelo da guerra”.
É esta ação urgente que importa cumprir.
O mundo assiste, atónito e horrorizado, ao sofrimento inimaginável do inocente povo ucraniano, perante o avanço lento mas triturador da invasão militar que cerca e bombardeia cidades de forma implacável; ao arrasamento impiedoso de Kharkiv, Kherson e da cidade-mártir Mariupol, entre outras; a ataques à bomba e com mísseis a zonas residenciais, hospitais, maternidades e edifícios culturais onde se abriga a população aterrorizada; a milhares de mortos, incluindo grávidas e crianças, mais de cinco milhões de refugiados, incontáveis feridos e deslocados de guerra – “um massacre” a que cumpre “pôr fim”, disse-o sem rodeios o Papa Francisco.
É isto que é imperativo: pôr fim ao massacre na Ucrânia.
A Assembleia Geral, exprimindo “grande preocupação com a deterioração da situação humanitária dentro e ao redor da Ucrânia”, ditou:
“(3) Exige que a Federação Russa cesse imediatamente o uso da força contra a Ucrânia e se abstenha de qualquer outra ameaça ilegal do uso da força contra qualquer país-membro.
(4) Exige que a Federação Russa retire de forma imediata, completa e incondicional todas as suas forças militares do território da Ucrânia (…).”
O Tribunal Internacional de Justiça, órgão jurisdicional das Nações Unidas, apreciou este brutal conflito. A 16 de Março, por 11 votos contra dois (estes dos juízes russo e chinês), ditou que “a Federação Russa suspenderá imediatamente as operações militares (…) no território da Ucrânia”; e “garantirá que quaisquer unidades militares ou irregulares dirigidas ou apoiadas por si (…)” não prosseguirão aquelas operações.
E aprovou terceira determinação judicial, esta por unanimidade, incluindo dos juízes russo e chinês: “Ambas as Partes devem abster-se de qualquer ação que possa agravar ou estender a disputa perante o Tribunal ou torná-la mais difícil de resolver.” Tudo já devia ter parado.
Esta guerra pode transbordar para a Europa e o mundo, como nas grandes guerras do século XX, que julgávamos acabadas para sempre. Que queremos acabadas para sempre! As Nações Unidas foram criadas por causa desse horror, com a promessa de nunca mais se repetir. Um conflito que escale para aquele patamar, como já sugerido, pode atingir proporções globais inimagináveis. Todos estamos vinculados à promessa fundadora, em especial os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança: nunca mais!
É necessário ir já a Kyiv, como fizeram os primeiros-ministros da Polónia, República Checa e Eslovénia, e a Moscovo, parar a guerra onde ela pode ser parada. Calar as armas, atingir a paz – eis o imperativo urgente. A gravidade da crise exige iniciativas desarmadas, diplomáticas, com ousadia civil e reto propósito, que levem os líderes a acabar com a guerra e retomar a justiça do Direito Internacional.
Apelamos ao Secretário-Geral das Nações Unidas a, urgentemente, viajar a Kyiv e a Moscovo para, carteiro da paz, em nome da Humanidade, entregar pessoalmente aos Presidentes Volodomyr Zelensky e Vladimir Putin, a Resolução da Assembleia Geral e a deliberação do TIJ, pedindo-lhes que as sigam para bem dos seus povos e da Humanidade.
Já chega de massacre. É tempo de os exércitos recolherem e avançarem os diplomatas, convocando os dois líderes a agirem conforme ao Direito Internacional invocado – Carta, Declaração de Relações Amistosas, Acordos de Minsk, Ata Final da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (Helsínquia 1975), Memorando de Budapeste (1994) e Convenções de Genebra – e às muitas deliberações de órgãos das Nações Unidas aplicáveis.
A paz é possível, parando a guerra. Neste momento tão grave e incerto, é missão do Secretário-Geral das Nações Unidas, informando diretamente Londres, Paris, Moscovo, Pequim e Washington, recordá-lo pessoalmente a Putin e Zelensky nos lugares onde mora a História: em Kyiv e em Moscovo.
Em nome da Humanidade, que se calem as armas e nos devolvam a Paz.
José Ribeiro e Castro
Paulo de Almeida Sande
EXPRESSO (online), 22.Março.2022
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