Guerra e Paz. E a China?



Desde o princípio da guerra, circulam narrativas a procurar pôr a culpa no Ocidente. Em vez da Rússia, que invade, dispara e bombardeia, o culpado seria o Ocidente, ao atrair a Ucrânia para a União Europeia e a NATO. A Rússia teria o direito a manter uma “zona de segurança” à ilharga das fronteiras, que uma Ucrânia na UE e NATO apagaria, pondo-a em perigo.

Isto nunca poderia justificar a brutal agressão da Rússia. Não podemos reconhecer a Putin o direito a um “espaço vital”, ideia que levou a Alemanha de Hitler a gerar uma guerra mundial. Também não foi a NATO que andou a mercadejar-se junto da Ucrânia ou de outros; foram muitos países que, com o fim da URSS, libertos do jugo soviético, correram a relacionar-se com a UE e a buscar protecção na NATO, uma aliança exclusivamente defensiva. Fizeram-no, numa parte por atracção, noutra por medo. Têm bem vivas as razões desse medo, desde o tempo do Muro.

Putin fez tudo, agora, para reavivar esse medo e as razões do medo. Fê-lo, ao invadir a Ucrânia, rasgando o Memorando de Budapeste de 1994. Fê-lo, ao ameaçar implicitamente outros, como Moldova e os três países bálticos. Fê-lo, ao ameaçar Suécia e Finlândia. Hoje, todos crêem que, se a Ucrânia estivesse na NATO, Putin não se teria atrevido. A questão NATO é muito discutida. Tanto que nunca se chegou a uma conclusão. A Ucrânia não entrou na NATO, nem esteve perto.

As narrativas podem dizer o que quiserem, mas, depois, há sempre a verdade. Seja qual for a paranoia antiocidental dos círculos de Putin e seja a paranoia real ou fingida, a verdade é que NATO ou Ucrânia não dispararam um só tiro contra a Rússia, não desferiram uma ameaça, não lhe violaram o espaço aéreo, não fizeram exercícios militares provocadores junto das fronteiras. Já o currículo de Putin é outro. Nem se ficou por provocações, mas ousou várias invasões de vizinhos. Agora, fez esta loucura.

Convém ainda saber o que se passou com este trecho do conceito estratégico NATO, revisto em 2010: “A cooperação OTAN-Rússia é de importância estratégica, pois contribui para a criação de um espaço comum de paz, estabilidade e segurança. A OTAN não representa nenhuma ameaça para a Rússia. Pelo contrário: queremos ver uma verdadeira parceria estratégica entre a NATO e a Rússia, e agiremos em conformidade, com a expectativa de reciprocidade da Rússia.” Que fez o Ocidente para o aprofundar? Que fez a Rússia para corresponder ao sinal amistoso?

Depois da ignóbil demolição de cidades bombardeadas sem piedade, a retirada das tropas de Putin de algumas regiões revela, agora, a selvajaria de horrendos crimes de guerra: civis sujeitos ao pior que se pode imaginar e executados como a animais que se despreza e odeia.

O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, escolheu esta altura para visitar Pequim, em 30 de Março, e reunir com o homólogo, Wang Yi. Lavrov falou de uma “nova ordem mundial”, dita “multipolar, justa e democrática”. Em plena guerra aberta contra um vizinho, a “nova ordem” de Lavrov gera apreensão. E dizer “multipolar, justa e democrática” é humor de muito mau gosto. Afirmou que o faria em parceria com a China. Esta deve esclarecer a forma, o alcance e o conteúdo da parceria que tem com um invasor em plena agressão devastadora.

A China pagará um preço político e moral se continuar a esconder-se atrás do biombo de uma “parceria estratégica”. Tem de dizer a sua posição sobre os crimes de guerra. Não é bom ser parceiro estratégico de acusados de crimes horrendos. A China tem de posicionar-se do lado da guerra ou do lado da paz. Não há outro lugar.

Há dias, um porta-voz chinês sacudia, dizendo que a solução para a guerra não está em Pequim, mas em Bruxelas e em Washington. A China sabe que não é verdade. Só Pequim pode dizer ao Kremlin que é tempo de parar, com o efeito de a guerra na Ucrânia poder acabar. Já chega. É tempo de parar. Como o Papa repete: BASTA!

Depois disso, talvez possamos vir a ter nova ordem mundial, multipolar, justa e democrática. Agora, por causa de Putin, só temos uma guerra cruel a empurrar-nos de volta a 1939.

José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 6.Abril.2022

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