A Rússia, a direita e a NATO


Fala-se muito sobre responsabilidades da NATO na eclosão da guerra na Ucrânia, alegando-se que seguiu um caminho “expansionista” e desenvolveu uma estratégia de “cerco” à Rússia. Esse é o discurso de Putin e de Lavrov, o que não surpreende – todo o tirano gosta de fazer-se de vítima. Mas esse discurso espreita, no Ocidente, ora por afirmações, ora por manipulações, não só do lado do PCP, mas também à direita ou noutros sectores.

Exemplo de manipulação, que também ecoou em Portugal, foi a notícia do POLITICO, intitulada “Papa diz que NATO pode ter causado invasão da Ucrânia pela Rússia”. O título distorce um texto que dizia o seguinte: “Francisco reflectiu sobre a agressão letal da Rússia ao seu vizinho e disse que, embora possa não chegar ao ponto de dizer que a presença da NATO em países próximos “provocou” Moscovo, “talvez facilitasse” a invasão.”

Convém começar por aqui: a NATO não tem a mais leve responsabilidade no conflito da Ucrânia, mas assegura a nossa defesa e segurança colectivas contra a persistente política de agressão do Kremlin. Podemos ter as ideias que quisermos a respeito de a Ucrânia ser, ou não, membro da NATO – e eu sempre fui contra, inclinando-me para estatuto semelhante à Áustria. Mas a Rússia não pode apontar um só dedo à NATO e aos seus membros.

A NATO é uma aliança exclusivamente defensiva, sem propósitos de agressão, nem de expansão. O Pacto de Varsóvia ruiu porque ruiu o senhor de que era o instrumento: a União Soviética. A NATO, depois de ter assegurado a paz na Europa e no Atlântico Norte, sem disparar um tiro, nem ocupar um metro quadrado de território alheio, prosseguiu. Muitos países, libertos do domínio soviético, quiseram acolher-se também na NATO para sua segurança e defesa – alguns, em simultâneo, na União Europeia. Como recusá-lo? Como recusar a liberdade e a segurança a quem quer ser livre e viver em paz?

Em 2010, o novo Conceito Estratégico da NATO menciona várias vezes a Rússia como interlocutor e parceiro e afirma esta política: “33. A cooperação NATO-Rússia é de importância estratégica, pois contribui para a criação de um espaço comum de paz, estabilidade e segurança. A NATO não representa nenhuma ameaça para a Rússia. Pelo contrário: queremos ver uma verdadeira parceria estratégica entre a NATO e a Rússia, e agiremos em conformidade, com a expectativa de reciprocidade por parte da Rússia.” Importa ver o que se passou neste domínio e qual foi a reciprocidade da Rússia quanto a esta política de boa vontade.

Além disso, em nenhum momento a NATO agrediu para conquistar território alheio, nem pisou um só centímetro da Rússia, nem usou mísseis para abater aviões civis, matando todos os passageiros, nem dirigiu qualquer ameaça contra a Rússia ou a sua integridade. Apesar da plena liberdade de expressão, não houve um só maluquinho no Ocidente que declarasse vontade de invadir a Rússia, de a bombardear, de lhe abocanhar pedaços ou de lhe despejar ogivas nucleares. Ao invés, a Rússia fê-lo e tem-no feito, não por um maluquinho qualquer, mas pelo Kremlin.

Nós devemos muito à NATO. Por isso, é facilmente compreensível que a Suécia e a Finlândia queiram pertencer-lhe também. Não chega a liberdade. É necessária a garantia da paz e da liberdade. Esta garantia, que é a NATO, não ameaça ninguém.

Defende-nos, não ataca. A garantia NATO só torna mais inconsequentes as ameaças que contra nós são feitas. Isto é, protege-nos dos Putin deste mundo. Ou ninguém ouviu as ameaças de Putin? Ou ninguém vê a agressão de Putin? Ou ninguém se arrepia com a destruição e morte que Putin realmente executa? O que se passa não é uma coisa imaginária. É a coisa real.

Choca-me ler ou escutar posições à direita que estão do lado do Kremlin. Confiar em Putin é confiar que, em dia de chuva, não chove. Às vezes não chove, mas é por pouco tempo. É um gigantesco erro político e uma desumanidade flagrante. Não é preciso muito: basta imaginar-nos na posição dos ucranianos; e chamarmos pela NATO, mas ela estar lá fora.


José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 19.Maio.2022

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