Elon Musk e a liberdade
A compra do Twitter por Elon Musk, tido por o homem mais rico do mundo, desencadeou comentários e especulações. Nomeadamente, no quadro da União Europeia, disse-se que a visão de Musk para o Twitter chocaria com o novo Digital Services Act, em vias de conclusão no processo legislativo europeu.
A União Europeia tem grande peso na regulação da internet a nível global, em virtude quer do peso dos Estados-membros e das sanções que aplica aos operadores, quer da influência que o seu pensamento exerce nestes debates a nível mundial. Por mim, respeitadas regras básicas fundamentais, creio que a liberdade estará mais segura e mais bem protegida nas mãos dos próprios cidadãos que a usam e dos empresários que proporcionam os meios desse uso do que nas mãos de qualquer burocracia por muito bem-intencionada que o seja.
A internet está confrontada com desafios poderosíssimos, resultantes da sua crescente popularidade, em todas as áreas e para diversos fins, incluindo a generalizada digitalização da administração pública, bem como o uso crescente das redes sociais e a estreita associação entre estas e o exercício da cidadania.
A última informação, em língua inglesa, de utilizadores da internet em 2021 em todo o mundo totaliza o número de 4 991 911 268 (quase cinco mil milhões), correspondendo a 65,6% da população mundial. A mesma informação disponível, com fontes em língua portuguesa, apresenta os utilizadores da internet em 2012 em todo o mundo, correspondendo a 3 038 958 737 (um pouco mais de três mil milhões), 42,8% da população mundial na altura. Dizendo de outra forma: em dez anos, o uso da internet em todo o mundo cresceu de cerca de 2/5 da população mundial para quase 2/3 desta. E vai continuar. 32 países já têm níveis de utilização acima de 90% da população, 61 acima de 80%. É inexorável.
Esta utilização crescente da internet arrasta também um uso crescente das redes sociais. Das várias fontes que pude consultar, optei por uma por que construí este quadro:
1. Facebook: 2.900.000.000
2. YouTube: 2.200.000.000
3. WhatsApp: 2.000.000.000
4. Instagram: 2.000.000.000
5. Facebook Messenger: 1.300.000.000
7. TikTok: 1.000.000.000
10. Telegram: 550.000.000
14. Pinterest: 444.000.000
15. Twitter: 436.000.000
18. Skype: 300.000.000
19. Microsoft Teams: 270.000.000
20. LinkedIn: 250.000.000
A unidade de medida são os utilizadores activos mensalmente. A fonte apresenta as 20 maiores redes sociais, tendo eu excluído do quadro aquelas oito que não têm circulação significativa no nosso espaço: WeChat, Sina Weibo, QQ, Snapchat, Kuaishou, Qzone, Reddit, Quora.
O gigantismo das redes é impressionante. Dá bem a ideia quer da oportunidade que é, quer do problema que constitui. E há outra evidência que ressalta: isto não é uma realidade virtual. É a realidade real, num instrumento poderosíssimo de comunicação. Nós é que a forjámos virtual, como “realidade a brincar”, consentindo que proliferem identidades falsas, “faz-de-conta”.
O anonimato é o único mal que devemos combater administrativamente. Quem está na net dá o nome e dá a cara. Exactamente como na rua. Cada um responde por si, de acordo com as leis comuns e perante os tribunais comuns. O melhor remédio da liberdade é a própria liberdade – com responsabilidade.
A censura imposta às redes não resolve o problema e cria outros gravíssimos. Se a censura tivesse sucesso, podíamos dizer adeus à liberdade e à democracia. Os seus tentáculos nunca cessam de crescer e estrangular. Já acabando o anonimato e aplicando o regime adulto da identidade, os problemas de que nos queixamos (fake news, difamação, injúria, calúnia, bullying, conteúdos proibidos) ficam reduzidos a quase nada. Não será pela censura, será pela vergonha. E do resto tratam os tribunais. A liberdade é que cuida da liberdade.
José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 4.Maio.2022
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