Infante, o navegador do futuro


O Infante D. Henrique é uma das maiores figuras de Portugal, da nossa História e da nossa natureza e identidade. Não sendo o fundador – título que pertence ao nosso grande rei D. Afonso Henriques -, o Infante é o grande abridor da nossa alma e o definidor da nossa identidade.

Foi o quarto filho de D. João I e D. Filipa de Lencastre, outros grandes reis de Portugal, emergentes vitoriosos da crise do interregno e pais de grandes figuras. Importa recordar, brevemente, esses sete irmãos da justamente chamada Ínclita Geração: D. Afonso (que morreu novo, com 10 anos), D. Duarte (que sucederia ao pai, como rei), D. Pedro (Duque de Coimbra, o das Sete Partidas do Mundo, muito viajado e conhecedor do mundo da época, com grande cultura e ilustração), D. Henrique (o nosso Infante, Duque de Viseu), D. Isabel (que seria Duquesa da Borgonha), D. João (Condestável do Reino, após D. Nuno Álvares Pereira) e D. Fernando (o Infante Santo, que morreu cativo em Fez).

O Infante D. Henrique é com justiça, ali em Belém das caravelas, a figura que encabeça os 33 notáveis que estão representados no monumental Padrão dos Descobrimentos, em cima do Tejo, na capital do país. O que ele iniciou, orientou e desenvolveu, não tem par na História de Portugal, marcou quase seis séculos da nossa existência como país (se os contarmos desde Ceuta, em 1415) e deixou uma marca que definiu e moldou para o futuro a nossa identidade como cultura e como alma, como povo e como nação.

Os caminhos que ele abriu – e os laços que permitiu estabelecerem-se – nunca mais se apagarão. Hoje, olhando para trás e olhando também para dentro de nós, não conseguimos sequer imaginar como poderíamos ser diferentes. Ficámos marcados, fomos definidos.

Há quem diga muita asneira a propósito dos Descobrimentos, contestando a própria palavra e seu conceito. Dizem: “Ninguém nos descobriu, nós já cá estávamos.” Claro que estavam; se não estivessem, não poderiam ter sido descobertos. Foram descobertos, porque existiam. Nós é que não sabíamos que existiam, assim como eles também não sabiam que existíamos. Os Descobrimentos são recíprocos: quem descobrimos, também nos descobriu no mesmo momento. Os Descobrimentos foram esse encontro e conhecimento.

Mas os Descobrimentos nem foram tanto de terras, povos e culturas. Foram sobretudo a descoberta de rotas que nos levaram “por mares nunca dantes navegados”, revelando, pela primeira vez, todo o mundo a todo o mundo. Rotas que nunca mais deixaram de ser percorridas e, sucessivamente, desdobradas noutras novas rotas. É um feito extraordinário – não só da História de Portugal, mas da História da Humanidade. Um feito ainda maior, se levarmos em conta as frágeis embarcações em que navegávamos, mar adentro, pelos oceanos e os instrumentos rudimentares, mas pioneiros, de orientação e apoio à navegação.

Falta fazer o Museu dos Descobrimentos, que deve morar em Portugal, por ser tão destacado o contributo português para o mundo.

O mar foi o caminho: abriu-nos a universalidade, ampliou a nossa mestiçagem, fez global a nossa língua, granjeou-nos notoriedade mundial. Éramos apenas um milhão e espalhámo-nos por toda a parte não só por conquista (como era costume do tempo), mas sobretudo por relações comerciais e culturais e por interacção diplomática fora do mundo que era até então conhecido. Uma proeza fantástica.

Tudo isto começou com a visão, a ousadia e a competência do Infante D. Henrique. Foi isso que o Círculo do Mar da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, coordenado pelo Comandante Orlando Temes de Oliveira, foi saudar ao Porto, no passado 4 de Março. Aí, ouvimos as comunicações muito interessantes da Prof.ª Teresa Coelho (sobre o tempo do nascimento do Infante), do Comandante Rodrigues Pereira (sobre as proezas náuticas de D. Henrique, fazendo descobrir as ilhas atlânticas e avançar pela costa africana já bem para Sul do Cabo Bojador) e do Prof. António Costa Silva (projectando a inspiração do Infante sobre o futuro de Portugal). Aqui queremos voltar todos os anos, no dia e à cidade em que nasceu o Infante, para o lembrarmos, ohando como ele olhava: pelo Mar para o Futuro.

De um facto insofismável podemos ter a certeza: a inspiração no Infante D. Henrique será sempre vento favorável para Portugal e para os portugueses. Assim tenhamos rumo, para podermos aproveitar o vento. Com a visão, a ousadia e a competência de que nos legou o exemplo – o tal “talant de bien faire” (vontade de bem fazer), que foi o seu lema, bem guardado pela nossa Marinha.


José Ribeiro e Castro
Presidente da Sociedade Histórica da Independência de Portugal

NEWSLETTER CMP/LN, Maio.2022
Confraria Marítima de Portugal/Liga Naval

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