Quem de 18 faz cinco, asneia
Espero que alguém me leia. E, se concordar, passe palavra. É que esta é a chave para o problema em que nos afundamos há 46 anos.
O país parece queixar-se da centralização crescente. Mas não estranha, nem reage perante essa derrapagem contínua e, pior, face à perspectiva de ser consolidada. A explicação é evidente, mas fingimos não ver. Vale a pena recapitular.
Em 1976, na ideia de descentralização democrática do poder, a Constituição criou Regiões Autónomas, nas ilhas; e prometeu Regiões Administrativas, no Continente. A criação destas foi-se atrasando, pela instabilidade governativa. Nos fins dos anos 80, o primeiro governo maioritário de Cavaco Silva avançou para a sua constituição. Mas o segundo governo maioritário de Cavaco Silva mudou de ideias e paralisou o propósito. No fim dos anos 90, o primeiro governo Guterres quis avançar, mas uma revisão constitucional exigiu referendo prévio: referendo sobre a reforma e referendo sobre o mapa. O referendo, em 1998, chumbou estrondosamente quer a reforma, quer o mapa.
Passados 24 anos, nada se fez. A não ser continuar a deslizar, como que distraidamente, para a consolidação de um mapa administrativo de cinco regiões, correspondentes às CCDR. Um movimento iniciado com a reforma de Cavaco Silva, que não prosseguiu. Um movimento que, além de ilegítimo, contraria frontalmente a cautela que a Constituição exigiu e impõe.
Diz o artigo 291º: “Enquanto as regiões administrativas não estiverem concretamente instituídas, subsistirá a divisão distrital no espaço por elas não abrangido.” Ora, o que temos visto é o desmantelamento contínuo dos distritos – quase já nada sobeja –, ao mesmo tempo que das regiões administrativas, nem sombra. A subsistência dos distritos era a garantia das populações. A garantia foi quebrada e é quotidianamente violada. As populações, sobretudo as dos territórios mais frágeis e distantes dos grandes centros, têm sido desconsideradas e abandonadas.
Hoje, estaríamos muito melhor, se a matriz territorial dos distritos tivesse sido respeitada. O território continental teria continuado organizado em 18 unidades, com a administração mais próxima das pessoas. Teria certamente progredido nessa escala de proximidade.
Ao contrário, querem-nos impor, a bem ou a mal, a torto ou a direito, o malfadado mapa das cinco “regiões”, consolidando, sobretudo a norte do Tejo, mais centralização, mais litoralização, mais desertificação e abandono do interior.
O teste de algodão do desastre surgiu recentemente em três artigos, no Diário de Notícias, do antigo governante socialista José Mendes. O título da série excitou-me a curiosidade: “A falácia das cinco regiões”. Mas o que propõe consegue ser muito pior: apenas duas regiões, Portugal-Norte e Portugal-Sul. Assim mesmo, como a Coreia ou o Vietname, ou Cebolais de Cima e Cebolais de Baixo, ou o Portugal do PREC, em 1975, ali partido ao meio por alturas de Rio Maior.
A ideia é feita à medida das dimensões europeias das NUT I, mas o que pertence a esta escala é o Continente, todo inteiro. O autor refere que, em França, “as regiões variam entre 2,6 e 12,1 milhões” – o Continente está aqui, perto do topo. Olhando à Península, se fôssemos unos com Espanha (o diabo seja cego, surdo e mudo!...), seríamos uma “região”, similar às Comunidades Autónomas da Galiza ou da Catalunha. E o que nos aponta isto? Aponta que a “regionalização” administrativa portuguesa no Continente deve ser cumprida numa escala que corresponde, em Espanha, não à das Comunidades Autónomas, mas à das diputaciones provinciales, ou seja, à dos nossos distritos.
Quem de 18 distritos faz cinco regiões, centraliza: aperta a escala, concentra, afasta as populações. Isto é tão evidente que surpreende a teimosia ou a indiferença com que escorregamos, descuidados, pela rampa da asneira. Será que seremos capazes de deixar de asnear e de começar a caminhar na direcção certa? Afinal, aquela mesma direcção que, olhando à nossa dimensão e às nossas necessidades, a História definiu.
José Ribeiro e Castro
Advogado
MAIS ALENTEJO, 1.Junho.2022
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"
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