Ainda podemos ir a tempo de fazer bem
Há duas semanas, foi assinado o Acordo de Parceria, Portugal 2030, por que receberemos 23 mil milhões de euros de fundos comunitários até ao final da década – é o sétimo pacote que recebemos desde a adesão, a que há a somar os dois de ajudas pré-adesão. Além deste, estamos a receber mais 16.643 milhões de euros no quadro do PRR, definido nas respostas europeias à crise da pandemia. Resumindo: até 2030, vamos receber 40 mil milhões de euros, o maior volume de fundos comunitários de sempre.
Em entrevista concedida na ocasião, a comissária europeia da Coesão e Reformas, a portuguesa Elisa Ferreira, destacou: “A quantidade de dinheiro que está a ser transferido para Portugal é três ou quatro vezes o que se investia em Portugal com fundos estruturais no último quadro.”
O que vamos fazer com eles? Que impacto irão ter na melhoria efectiva das condições do país, do nosso desempenho, da nossa posição comparada?
Estas ajudas inscrevem-se na política de coesão definida nos tratados europeus. Destinam-se a apagar as acentuadas diferenças de níveis de desenvolvimento entre Estados-Membros. E destinam-se, portanto, a ser bem aproveitadas. Se a situação não melhora, tem de concluir-se pelo fracasso. E, assim, mudar a abordagem e o modelo de aplicação.
Elisa Ferreira, que foi ministra nesta área no segundo Governo Guterres, reconhece o problema: “Portugal tem um nível de desenvolvimento em termos da média europeia na ordem dos 76%, já esteve nos 80% e depois de 2000 a convergência esteve estagnada.” E chama a atenção: “Esta ânsia por fundos que existe em Portugal… temos de nos convencer que temos de viver sem fundos, que temos de pensar num desenvolvimento normal, que o nosso objectivo é ter uma dinâmica económica e empresarial e de inovação, que se liberte desta dependência.” É a crítica ao que costumo chamar de a nossa “visão mamífera da Europa”: ver a UE como vaca leiteira.
Estes alertas são bons. Mas, infelizmente, não servem para nada se não forem o primeiro-ministro e os ministros, bem como os líderes da oposição a dizê-los, todas as semanas, e a mudarem radicalmente a forma de encararmos e usarmos os fundos.
Em Janeiro, Ricardo Cabral, num artigo, era preciso no diagnóstico: “Há 36 anos Portugal aderiu à Comunidade Económica Europeia que veio a ser [a] União Europeia que presentemente integramos. O balanço não é brilhante. Aliás, o desempenho económico do país nos últimos 20 anos (…) será o pior desde o final do século XIX”. E Abel Mateus, um dos economistas que mais tem abordado o problema, escrevia: “A continuação desta tendência de crescimento da nossa economia dá-nos uma projeção nada animadora. Até 2025, Portugal só teria, dos antigos países socialistas, a Bulgária numa posição traseira.”
A imprensa vai assinalando esta trajectória do nosso afundamento e atraso relativo, apesar dos milhares de milhões. Dizia uma manchete em Dezembro: “PIB per capita em Portugal mais longe da média da UE em ano da pandemia.” E outra, em Março: “PIB per capita em Portugal é o sétimo mais baixo da UE”.
Portugal caiu já para a 21.ª posição na UE-27, sendo Polónia e Hungria os últimos a ultrapassar-nos. Não há como esconder o fracasso. Depois de termos sido o 15.º na UE-15, estamos a caminho de sermos 27.º na UE-27. Não pode ser. Dos 13 que entraram depois de nós, oito já passaram à nossa frente.
Aqui, há duas grandes abordagens: a das estratégias; e a das metas. Eu cheguei à conclusão de que a das metas é a abordagem decisiva, porque é ambição e exigência que nos tem faltado. Estratégias correctas são, sem dúvida, indispensáveis. Mas só iremos focar-nos nelas e na sua afinação e melhoria constantes, se nos impusermos metas ambiciosas de crescimento: superarmos a média europeia; não deixarmos mais nenhum ultrapassar-nos; ultrapassarmos os que estão à nossa frente até chegarmos ao Top 15 e, depois, ao Top 10.
Se não for assim, todos estes milhões serão DESPERDÍCIO! Nem é só desperdício de dinheiro, mas desperdício da oportunidade. Impõe-se muito exigência do governo. E igual ou mais exigência da oposição. Já chega de cepa-torta.
José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 27.Julho.2022
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