Os Judeus da Nação Portuguesa



“Judeus da Nação Portuguesa” ou “Gente de Nação” são designações antigas. Os judeus sefarditas estavam em Portugal muito antes de nascermos no século XII. São expressões tradicionais de cultura, que dizem da sua relevância na textura nacional. Participaram na formação de Portugal, às vezes destacadamente. A sua expulsão, no fim do século XV, foi um grande erro histórico.

A lei de retorno, de 2013, de aprovação unânime na Assembleia da República, é uma lei generosa e positiva: permitiu a descendentes dos sefarditas “regressarem” à nação. A mais relevante reparação histórica era à nação portuguesa, que fora amputada de uma componente constitutiva. Já havia regime especial de naturalização para “membros de comunidades de ascendência portuguesa” (n.º 6 do artigo 6º). A nova lei clarificou a aplicação deste regime para os “descendentes de judeus sefarditas portugueses” (n.º 7 do mesmo artigo 6º).

A lei entrou em vigor em 2015, a par do decreto-lei regulamentar actualizado. Teve um primeiro período luminoso de aplicação. Em 2020, foi posta debaixo de fogo, com denúncias de abusos e oportunismos e prevendo-se uma enxurrada exponencial. As críticas partiram sobretudo de Constança Urbano de Sousa, deputada do PS, e do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que apontaram a insuficiências da lei. Mantenho o que disse na altura: a lei é boa e ninguém demonstrou a necessidade de ser mexida. O regulamento, da competência do governo, é que necessitava (e necessita) de ser ajustado, como é sempre o normal.

Lei de valor reforçado (lei orgânica), deve ser estável: fixa balizas e condições gerais, sem entrar em pormenores. O exigido na lei é, aliás, bastante: (1) “descendentes de judeus sefarditas portugueses”; (2) “demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa”; (3) “requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal”. Tentar mudar a lei teria, ainda, um custo político negativo nesta matéria de importância histórica: poria fim à unanimidade.

Cabe ao regulamento (decreto-lei) cuidar dos pormenores e procedimentos. Sempre que necessário, há que ajustá-lo a desafios e necessidades práticas que surgem na aplicação das leis. O decreto-lei de 2015 era um bom regulamento, feito com o melhor conhecimento que então havia, ouvidas várias entidades. Quando a experiência mostrou imprevistos e problemas, deveria ter sido logo ajustado para garantir seriedade e conformidade ao espírito da lei. Por exemplo, se se quisesse exigir a cada requerente uma última entrevista presencial ou a escrita de um pequeno texto pessoal a explicar por que queria ser português, são matérias regulamentares e não de lei orgânica. Toda a intervenção das comunidades judaicas está, aliás, prevista e regulada no decreto-lei. É o governo que tem de o acompanhar, avaliar e cuidar. O Parlamento já fez o que tinha a fazer, em 2013.

A publicação em Março passado das alterações ao regulamento da nacionalidade prova, por um lado, que esta tese está certa; mas, por outro, deixa à vista questões e perplexidade.

Por que demorou tanto tempo? Por que não se agiu logo em 2018, quando a estatística começou a derrapar, como o debate de 2020 revelou? E por que demorou ainda mais dois anos a seguir? Talvez os casos judiciais recentes não tivessem acontecido.

A questão da publicidade abusiva por advogados e outros agentes, que causou tanto – e bem justificado – escândalo, continua sem resposta legal, apesar de lesiva da honra de Portugal e fonte certamente de muitos abusos. Por que não é proibida?

Não adiro às críticas de inconstitucionalidade, quanto a novos requisitos. Mas acho estranho que o governo estendesse por mais seis meses a vigência do quadro revogado, gerando certamente uma corrida para aproveitar a última oportunidade. Não se entende.

É preciso deixar assentar os factos, clarificar a verdade do que está na justiça e definir remédios sérios e sólidos para os problemas que se revelaram. Mas há um ponto essencial, que refiro muitas vezes e que escrevi assim, em 2015: o êxito desta lei repousa “na boa colaboração entre o Estado português e a comunidade judaica, velando ambos pela aplicação justa da lei, evitando abusos ou oportunismos que a desprestigiassem e pudessem pôr em risco e consolidando o novo regime como marco e pilar inapagáveis.” Essa é a função principal do decreto-lei regulamentar, assim como a responsabilidade do governo e da administração pública.



José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 20.Julho.2022

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